FACES

Não, amigo, não sou una. Há em mim, multidões, há pedaços de outras e seres inteiros e indefinidos que me completam. Há brincos de cigana e marcas de beijos. Minhas feras me habitam todas e algum anjo deixou fragmentos de asas por aqui. Manhãs me enchem de luz, para sempre tatuadas. Noites me habitam, em nudez e solidão. Vária, ando em fragmentos, desfruto deles e, com eles, choro. Algumas vezes, me aquieto; em outras, desato-me em rumos desconhecidos, pulando muros e tocando o sol. Há máscaras, de carnaval, umas; outras, negras, assemelham-se à morte. Sou muitas.

Lua, percorro meus mundos em busca de luz própria, perdida entre estrêlas desdenhosas a me cegar.

Bicho, carrego meus arquétipos da mata, da carne que se rasga e sangra em minha boca, na voracidade dos dias e noites e este medo que me tranca em cavernas.

Criança, acredito em promessas, em presentes, em futuros.

Mulher, desafio os deuses e os inconstantes amores e saio ilesa e forte, como do útero.

Beduína, rabisco outras trilhas de sol, fugindo da aridez dos antigos caminhos, das miragens, da sede, das dores.

Amante, devasso-me, desvasto meios-termos e hesitações, no transtorno lento ou célere da dança, tango? bolero?

Deusa, beijo as pedras terrenas por onde os pés do meu amor constroem seus caminhos, sem acreditar em minha existência.

Noite, calo-me na solidão das horas e espero o meu dia chegar.

Saramar
Enviado por Saramar em 14/10/2006
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