Sei que seu mundo está ruindo

Faz um calor infernal e tenho cãibras na perna esquerda

Ah, essas cãibras... Um dia me mato por causa delas

O bruxismo me corrói e estou encharcado de café e Fausto Wolff

Porque um sonho nunca é só um sonho, nem um livro é só um livro?

Porque tive que descobrir toda a verdade da vida naquele romance de 1978?

Mataram o cantor e chamaram um garçom...

E ele se aproxima da mesa, no colarinho uma borboleta preta

Espero que uma overdose de potássio venha aliviar todo esse desespero

Viro para ele e peço sem cerimônias: "Uma cachaça e outra cerveja!"

Nada é-nos eterno, muito menos as câimbras e tão pouco meu pedido efêmero.

Só aquele olhar vazio do garçom nunca mais sairá dos meus pensamentos

Vou mergulhar nas profundezas e beijar a boca do meu medo

Sei que sou capaz, apesar da escuridão, irei tateando para encontrar

Encontrar o rosto do meu medo e apertar-lhe o pescoço

Isso é o que me traz esperança, alivia-me o desgosto.

A próxima contração virá...

... Ainda mais forte que a anterior?

Quebrar-me-á os ossos?

Senhor... Ajude-me!

Precisas saber o meu nome, de onde eu vim, quais charutos aprecio?

Nada disso... Só preciso manter a calma

Uma calma interior de quem se aperfeiçoou em caçar borboletas

Sim, um caçador com alma de diretor de cinema...

... Mas não busco borboletas, estou fora de cena

Não sou como Kubrick, sou um apostador de roletas.

Estou de olhos bem abertos

Dê-me um sedativo, esvazie a garrafa e depois me mande embora!

Sinto a presença do anjo e penso na morte

Quando percebo o anjo sei que ela está por perto

Então, vou celebrar a existência levantando o meu copo.

Por quanto tempo poderei celebrar?

A chegada do verão, o aumento da temperatura, a qualidade da cerveja...

Nesse boteco de esquina que não vende tintos secos

A cerveja e Schopenhauer são minhas únicas soluções

Soluções que me fizeram descobrir que jogava o jogo de maneira equivocada.

Besuntado em suor e precisando de um banho, celebro os limites da natureza

Pois, com certeza... Ah, pobre garçom de olhar vazio!

Noutro dia, o inverno irá recomeçar

Não me importa se é sincero ou está mentindo

Sei que seu mundo está ruindo

E, pelas fissuras a água irá penetrar

Em verdade lhe digo:

Quando estiver afogando, ainda sim estarei a lhe admirar.

*Homenagem a Fausto Wolff, pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel (Santo Ângelo, 8 de julho de 1940 — Rio de Janeiro, 5 de setembro de 2008), foi jornalista e um dos meus escritores preferidos.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 21/12/2010
Reeditado em 10/09/2014
Código do texto: T2684662
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.