UM RESUMO DA VIDA DE JACK, O RAPAZ FELIZ

Todas as manhãs, Jack acordava já com um sorriso estampando seu rosto. Ele espreguiçava-se sonoramente e olhava para o quarto vazio de sempre, e sempre era assim.

Em sua casa, sempre vazia de vida, ele caminhava de um lado para o outro, e a cada passo ouvia-se o rugido do piso velho de madeira. Havia pouca mobIlia na velha residência, o que havia de fato eram muitas criações de Jack: Quadros que pintou e que ninguém viu, textos que escreveu e que ninguém leu, desenhos, fotos, músicas e toda uma grande quantidade de artefatos que ninguém sequer soube da existência.

Mas Jack sempre sorria.

As pessoas nas ruas por onde ele passava o achavam demasiadamente feliz - um ‘bon vivand’- muitos diziam. Seu sorriso e sua simpatia eram presentes em suas feições onde quer que fosse.

Jack possuia uma lista telefônica, e nela ele costumava enxergar o rosto de seus amigos, e era para eles que Jack tentava ligar toda noite bela, de lua cheia, afím de companhia para uma conversa informal, ou para um passeio noturno regado a bons momentos. Mas, os telefones sempre estavam ocupados para Jack, e ele acreditava que aquilo era culpa da ‘correria cotidiana’, e que seus amigos sentiam muito em não poder estar com ele.

Jack era um brilhante rapaz, suas idéias eram inovadoras, claras e diretas, e elas sempre se confirmavam através de algum escrito consagrado. Ele sentia uma vontade incontrolável de mostrar a alguém os resultados das reflexões que fazia, sonhava em discutí-las com alguma pessoa capaz de compreendê-lo, e para compreendê-lo, bastavam bons ouvidos dispostos a ouví-lo, pois Jack sentia prazer em declamar suas idéias, eram os momentos onde seus olhos mais brilhavam.

Certa vez, Jack escreveu um belo verso:

“Durante o dia, as flores são admiradas, são belas e multicolores,

Mas, o que seriam das flores durante uma escura noite de primavera?”

Ele tinha tanto para dizer em seus versos, mas como de costume, ninguém o lera...

Um dia, ele dissera sonhar em escrever músicas tão doces quanto àquelas que lhe encantavam, e que ele ouvia em uma velha vitrola. Jack não era um bom instrumentista, mas sabia o básico para expressar os sons que vinham de sua aguçada sensibilidade.

Jack não deixava de andar por aí descobrindo as coisas, ele tinha a esperança de em um último momento, quanto a noite solitária já fosse iminente, receber um telefonema de alguém querido dizendo estar indo ao encontro dele.

Mas suas noites nunca eram acompanhadas. Apesar da alegria que carregava, ele sempre se sentia isolado, todos riam e se divertiam ao seu redor, enquanto ele apenas conversava consigo mesmo, tentando entender a situação, para assim, buscar o alimento da alma que o fazia sorrir sempre.

Jack era um rapaz apaixonado.

Amava uma garota, e dedicava boa parte de seu dia a pensar nela. Fazia planos e imaginava por cada lugar que passava, como tudo seria se lhe fosse possível a companhia dela, em como seria incrível compartilhar das coisas que via, com ela.

Ela lhe inspirava os mais belos suspiros artísticos. E ela lhe permitira o contato por tão poucas vezes, que ele periodicamente era obrigado a recorrer a fotos para nunca esquecer do belo rosto que ela possuía.

Mas apesar de tudo, Jack sempre sorria.

Mas um dia, Jack foi encontrado morto em sua casa, dilacerado por um canivete que ainda jazia sobre sua mão esquerda. Havia luz do sol entrando pela janela, o dia estava lindo. A quem aposte que havia um sorriso em seu rosto mesmo após a morte.

Jack fora enterrado em um dia que ninguém viveu, em um local que ninguém conheceu.

Seus objetos foram queimados por um fogo que ninguém ateou.

Sua casa, vendida a um casal recém-casado que ninguém soube quem era.

Jack passou a nunca ter existido.

M.A.S.P.