No último dia daquele ano

No último dia

Daquele ano

Que a guerra

Começou...

As irmãs de caridade passaram por aqui e se foram.

Assim como vieram, se foram; antes.

Nesta vila dos poemas, fundada por Brecht¹ em 1947.

Lembro-me de uma fria manhã de inverno quando nos trouxeram conforto.

Abriram os nossos olhos para os pecados do mundo.

Sentaram-se ao nosso lado e ouviram nossas confissões.

E, se foram.

Eu que, pensava em abandonar tudo.

Abandonar minha família, abandonar minha profissão...

Não, eu não tinha amante e nem dívidas, muito menos hábitos mundanos!

Não tinha religião, mas, ouvia músicas de minha região interiorana.

Não tinha ciúmes, nem preguiça e pude acumular muita lenha para aquele inverno de incertezas.

Cuidava de minha esposa e de meus filhos como um verdadeiro homem deve fazer, enquanto o céu era iluminado por rajadas.

Ao deitar-me, algo me inquietava e só pensava em largar tudo

E, se foram.

Estava vazio como um túmulo a espera do corpo morto.

Minha razão me dizia que pequei contra os que mais me amavam.

E, um temor no meu coração preenchia toda minh’ alma.

A tristeza completava-me com suas incertezas...

Então, as irmãs de caridade com suas doces palavras .

Tocaram meu coração como o orvalho toca uma folha.

Uma delas sentou-se ao meu lado e com um olhar sereno acalmou-me o semblante.

E, se foram.

Cantarolando-me poemas atemporais de Leonard Cohen.

Mostrou-me a verdade, a natureza dos humanos, o valor da vida...

Perdido na neblina da dúvida fui resgatado, e eu pude sentir a centelha da felicidade se acendendo.

Aos poucos, eliminando o medo de morte de minha carne.

Sem insistência, mostrou-me a razão para continuar vivendo.

Esperançoso, livre de jactâncias e altivez não se fez como uma amante.

Doravante, irromperam-se as luzes de minha existência.

E, se foram.

Dissemos-lhes:

Fiquem conosco!

Enquanto a lua adormecia.

Mas, as irmãs de caridade.

Despediram-se dizendo-nos:

Ainda há muito que se cumprir.

E, se foram...

¹Bertold Brecht (10/02/1898 - 14/08/1956),

dramaturgo e poeta alemão.

*Ao mestre Leonard Cohen (21/09/1934),

poeta e músico canadense.

Marciano James
Enviado por Marciano James em 31/12/2010
Reeditado em 23/12/2014
Código do texto: T2701598
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