A hora do medicamento

Como me sinto?

Você me pergunta...

Como um ser humano qualquer

E sei me divertir como todo mundo

Depois que arranjei um emprego de diretor de cinema

Não consigo fazer um filme descente

Falta-me roteiro?

Ei, meus cigarros não são biscoitos, devolvam-me todos!

“Pedra que rola não cria limo”

Esse ditado, a enfermeira chefe me disse sorrindo

Não entendi... Você acha que eu moro aqui?

Vou lhe mostrar quem é louco, minha senhora, vou lhe mostrar

Sobre o roteiro... Tenho um:

“Começa com uma paisagem bucólica, uma tomada aérea sobre as montanhas

Um close na cabeça da águia

Ela olha para o firmamento...”

“... Abre suas asas; portentosa envergadura

Algo a impele e ela salta num rasante

Pelo desfiladeiro ela sobrevoa

Deixa acima, um ninho a centena de metros”

Outro close: “Uma mão segura uma grade

Um prisioneiro, entre flores, uma bíblia e mofo na parede

Ele irrompe a cela e percebe

Percebe o sorriso de seu amigo índio, percebe”

Hora do medicamento, Hora do medicamento!

Inicia-se a sinfonia, dá-se o confortante entorpecimento

A fila sempre aumenta nessa hora

Vejo Milos Forman se aproximando discretamente

Sempre chega mais um louco de roupas brancas

Ou não são tão brancas?

Somos todos loucos?

E a risada insana de Jack ecoa...

Ha, ha, ha – A personagem McMurphy acabou de chegar

Vamos conferir seus pertences...

Meias negras, algumas T-shirts, jaqueta de couro

Um relógio, uma touca, uma pulseira de ouro...

Mr. McMurphy só não encontrei sua loucura

Por acaso, esqueceu-se de colocá-la em sua mala?

Mrs. Ratched, a senhora acha que sou louco?

Vou lhe mostrar quem é o louco por aqui!

Onde está Candy?

Sozinho, aumenta-me a sensação de desconforto e isolamento

Preciso de um amigo, um cigarro... Cinco minutos de basebol na TV

A convulsão veio só depois de muitos choques na cabeça...

Engraçado, antes de vir para cá, nunca tive convulsões

Será que mamãe sempre escondeu isso de mim?

Aqui, recebi doses diárias de 15.000 watts

Ou seriam uns 12.000 volts?

Ah, não importa! Ilusões se dissipam na eletricidade

O que realmente importa é que derreteram meu cérebro

Estou quente... Veja como estou quente enfermeira chefe!

Fiquei gentil como um cãozinho, me tornei capaz de aceitar tudo e entender as regras desse lugar

Aprendi a colocar uma garrafa de vinho na boca

E não mais sugá-lo, é ela quem me chupa para dentro

Me curvo e adentro-me, lá ninguém me reconhece

Torno-me essência, a própria substância original

A substância que outrora me deixava grande e eloquente

Agora, trancafiado nesse lugar, todos me chamam de demente

Acordem, vejam todos; o anjo da noite se despede!

O meu bilhete é o meu travesseiro, aperte-o em meu rosto amigo Chefe

Depois, irrompa as grades e parta para o Canadá

Quem sabe um dia, em espírito, nos encontraremos lá?

*Homenagem a Jack Nicholson: “Um estranho no ninho” – Direção: Milos Forman (1975)

Marciano James
Enviado por Marciano James em 05/01/2011
Código do texto: T2711123
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