O DIABO ENTROU PELO “RABO” E ARDEU...!

Sentado na calçada combalido,

Inválido, insignificante, desorientado e carente,

Vi-me rei sem causa.

Sem castelo e sem súditos.

Não era rei nem mesmo de mim!

A minha rainha ainda existe,

Quem não existe sou eu...!

Ah! Como é ruim ser rei!

Ah...! Como é ruim deixar de sê-lo!

Nunca queira ser rei,

Mas se por ventura o for,

Não perca a majestade.

Rei deposto, não é rei morto, é pior!...

Rei deposto vive a divina loucura dos caídos.

Transita no estado de “sub judice”.

O presente é uma pedra de gelo que aprisiona a mosca!...

É, mas não pode ser!...

Nesse estado é difícil distinguir o “verdadeiro” do “falso”,

Pois está atrelado ao passado recente

E o futuro latente a lhe bloquear.

Tudo é escuro...

A luz que brilha é opaca...,

Tudo se anuvia pela catarata da velhice

As risadas do mundo são caretas satânicas

Bocas imensas prontas a me engolir!

Sentado, na quina da esquina...,

Mal vestido, calado, barbudo e cabeludo;

Emborcado...

O câncer a próstata a me devorar,

O que me fazia curvar.

Curvar o corpo para melhor suportar...

O ardor; a dor a me bagunçar!

As mãos que apoiavam a cabeça,

Apoiadas pelos cotovelos,

Sustentadas pelos joelhos,

Apoiavam o corpo para não desmaiar.

A dor era grande.

Não podia me movimentar!

Pois, todas as reações do corpo passam pelo ânus,

Até a respiração fazia o ânus piscar...

Rasgava-me como se o diabo estivesse a se enfiar!...

Mergulhando fundo em mim...

Buscando a minha alma para o inferno levar

Mas a dor que doía mesmo, era a da alma!

Literalmente na sarjeta,

Sentado na quina da esquina,

Chorava sem lágrimas,

Os olhos fundos e secos

Era o poço sem água.

Os “doutores” pilotando os seus paletós passavam...

Celulares nas orelhas, falavam!...

Eu mudo...!

No mundo pensava!...

Via mas não entendia...

Todos passavam e não me viam!

Os carros das madames flutuavam...

Reluzentes...,

Subiam e desciam...

Aquilo era um filme

E eu já estivera lá!

Um mundo imenso se estendia a minha frente...

Para a direita..., descia!

Para a esquerda..., subia!

Para frente,... um imenso vazio!

Para trás eu não percebia.

Cadê o meu mundo?...

Os olhos daquele mundo me fitavam...

Não me convidavam...

Censuravam-me!...

E vivo me enterrava!

Estar morto no mundo dos vivos,

E vivo no mundo dos mortos...

É complicado!

Enquanto que,

Na quina da sarjeta me encolhia.

Gemia;

Curtia a dor da solidão;

Do abandono;

Da ausência dos súditos.

Da falta de um “oi”!

Encolhi-me mais ainda por causa do varredor de ruas!

O caminhão do lixo estava descendo!...

O mendigo não é nada,

É invultado.

Não tem Deus nem o diabo

O que recebe são os pecados dos outros...

Em forma de moedas.

A esmola purga os nossos pecados.

Só dá esmolas aqueles que devem para Deus,

Alguém na esquerda do mundo abriu a torneira.

A água surgiu, desceu...

Pela sarjeta a me encontrar

Com a sua voz borbulhante,

Chuá..., chuá... dizia-me:

Vim do céu!

Eu era nuvem,

Voava livre, leve e solta

Enfrentei trovões

Despedacei-me inteira

Transformei-me em chuva

Cai..., Corri!

Formei lagos e lagoas,

Fui ventre para várias vidas

Riachos e rios

Irriguei lavouras

Refresquei...

Sede matei!

Limpei e lavei

Ajudei a cozinhar,

Moinhos a se movimentar

Apaguei incêndios...

Removi torrões!

Fui estradas para muitos.

Lugares demarquei,

Fertilizante esparramei!

Fui aprisionada,

Tornei-me escrava...

Recebi penico de merdas

Agora infectada,...

Vou em busca do meu mar!

O mar anula todos os rios

A morte, todas as vidas

Vem..., vem..., vem...!