{o que me salva}

Me salva de mim mesma a linguagem, me succiona do mundo quando estou atolada demais nele e em suas complicações nonsenses, nesta realidade ferina e de fedentinas.

Me salva a linguagem do sonho que é a loucura de viver e os absurdos que acontecem nesta feira gorda de mundão doido.

Me salva a palavra suave e certeira de um amigo.

Me salva o beijo na noite, o abraço e a marca do beijo no dia seguinte. Me salva o telefonema de um raro amor distante mas que mora em mim.

Me salva uma dose, um porre, um trago, uma trepada, um livro, uma noite bem dormida, uma caminhada à exaustão ou o recolhimento. Meditação quase budista e fantasias sexuais de quem parece fumou maconha estragada. Que mistura, cruz credo esse texto!

Me salva o coqueiro ao vento, as folhas dançando e sanfonando uma canção meiga e selvagem na esquina da tarde de domingo.

Me salva a minha Gata Mileide, me mordendo tendões, miando sons ancestrais, palavras peludas, meu rabo cresce, meus dentes vão se afiando, cravo no silêncio minha garras finas. Amo com olhos de um janeiro que amanhece no litoral.

Me salva o raro esporro de um escritor marginal lúcido. Me salva o meu silêncio, o meu silêncio quer estar em mim, me habita a silenciosa teia e estranha desmesura que me faz.

Sou a dançarina solitária de forró. Portanto, escrevo.

Ora, mas que joguete de palavras besta, nada me salva!

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Riqueza inestimável, isso é o que me salva: isso é o que vale. essa beleza de texto de Angelique. amo!

Texto de Angelique du Coundrey em resposta a "o que me salva"

E fiquei a pensar no que ME salva... E sabe o que me salva? Salva-me de mim as noites que não durmo. Não dormir é não sonhar e não sonhar não me traz de volta coisas que perdi. O que me salva é a idade que começa a deixar a memória fraca e esquecer tornou-se uma bênção para mim. O que me salva é o blues e a literatura. É observar o tempo, as pessoas e o mundo. O que me salva é a noite silenciosa que me esconde por de trás das cortinas. O que me salva é a lua minha doce rainha que do céu me vigia e chora comigo suas lágrimas de estrelas. O que me salva de mim é saber que em breve não existirei nesse mundo de incompreensão ferina. O que me salva de mim é a minha eternidade nos meus poemas. Lindo sua prosa.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 26/01/2011
Reeditado em 17/12/2015
Código do texto: T2753841
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