Eu desejei

Ah, eu sempre quis um amor assim, que de tanto, não tivesse possibilidade de estar contido em mim... eu desejei esse gostar exagerado, esse pulsar desordenado, uma tempestade na minha alma. Fui eu que desejei... perder a razão, entornar meus sentidos aos pés de alguém, pôr minha vida em outras mãos... eu desejei ficar assim, de coração alagado... desejar apenas uma pessoa, sem a qual o meu tudo se converteria em coisa nenhuma. Eu desejei voar mais alto, mergulhar mais fundo, ocupar integralmente dentro de mim o oco do universo, o vazio de amor. Desejei curar minha doença, meu sofrimento, minha falta de amor, que torna nula uma vida. Desejei dar saída a minha essência, acrescentar-me, manifestar-me... ter o pôr-do-sol mais idealizado, e ter conhecimento de como apreciar; perceber a sincronia da dança das estrelas, a acuidade da luz estelar... compreender quando o luar e a vida necessitam se tornar novos outra vez. Eu desejei descobrir um tesouro, uma jóia rara, fonte de ouro oculta numa alma designada a mim, que se reservou para o meu amor... amor único, que por mais que procure, nunca será possível explicar... imensurável, que apenas faz aumentar... crescer... ir além do limite de amar... eu desejei acreditar num olhar e fazê-lo minha direção, minha estrela polar. Eu desejei me permitir vivenciar cada instante, sem remorso pelo que fiz ou deixei de fazer. Eu desejei me convencer do quanto é possível ser fiel a minha verdade, a minha concreta identidade, tratando com desprezo o fingimento. Eu desejei pagar o preço por amar desse jeito, e ter tamanha sensibilidade transbordando em meu peito e estampada em meu rosto; desejei provar o sabor, e a acidez de cada lágrima escorrida, carregando consigo a tristeza oculta... que eu escolhi deixar perdida. Eu desejei alucinar com um toque de olhar... de mão... com toda tranquilidade... deixando ofegante a respiração, entorpecendo os sentimentos, despindo a alma, provocando os desejos adormecidos. Desejei me dar o direito de atingir o máximo prazer, estendido a infinitas dimensões, realizado no ponto mais elevado do querer... desejei sentir a energia que irradia da união de corpos cobertos de suor, de lábios e sonhos, de seres amantes, de seres amados. Eu desejei me atirar do abismo, sem nenhum temor; confiar, de modo total, nas asas do amor, amor que verte a vida... que faz o coração sangrar, em cada despedida... mas, que no reencontro, eleva ao firmamento. Eu desejei transpor o véu, ir além do amor comum, me expor, ficar à toa... juntar dois seres em um... Eu desejei muito um refúgio, uma proteção, um porto seguro... alguém para acender minhas luzes, fazer a vida brilhar no momento em que tudo permanecesse obscuro. Eu desejei essa entrega total, seguir um modelo, não me conformar com o superficial, com amores enganosos, breves. Eu desejei essa aflição de lutar com as coisas, com o tempo; de querer parar os relógios nos momentos de encontro, e fazer com que, na distância, as horas parassem de correr, de maneira lenta, e passassem a voar na velocidade da luz, e ao escutar o som que mais me seduz, eu desejei adentrar pelo fio do telefone. Eu desejei passar as noites assim, insone, distante de mim, cativa da saudade, da vontade de entrar novamente no céu, contemplar aquele sorriso que sucede apenas para mim... eu desejei esse amor que reserva um presente, apenas para quem o sente, amor que permite momentos de eternidade... Eu desejei um motivo para ficar feliz mesmo no momento em que tudo parecesse dar errado. Eu desejei me dedicar ao hoje, me despreocupar com o amanhã, esquecer o ontem. Eu desejei esquecer a falta de raciocínio sensato entre o que sinto e o que acho. Desejei esquivar-me da exatidão, da coerência da ciência, da razão; comportar-me de acordo com minha consciência, pisar no meu próprio chão, e ao invés de viver à margem do engano, desejei me libertar das amarras imaginárias, desobedecer qualquer traço de exigência... desejei penetrar no Saara da vida, experimentando debaixo de meus pés cada grão. Eu desejei ser livro aberto, transparecer, suplantar as fobias... desejei revelar meus segredos, exibir meus desejos, crer na felicidade. Eu desejei, sim, saborear todo doce da vida, e também o sal, e todos os condimentos, e o prato principal. Eu desejei essa coisa insensata de procurar marcas, um fio de cabelo, um pelo, uma sobra de perfume na veste... desejei sentir o calor, o frio, a exaltação e o sofrimento... tudo amalgamado; o paradoxo entre certo e errado, profano ou sacro... eu desejei esse amor de temperamento variável, de felicidade condicionada a uma só presença, de modo justo, por ela ser única, e a única que se encaixa, poro a poro, no meu coração, na minha pele toda, nos meus planos. A única que me deu um arco-íris, e que veio envolvida em música, com o peito repleto de flores para serem plantadas em mim. A única que vou amar por toda vida e que me faz realmente querer que esse tempo não tenha final.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 02/02/2011
Código do texto: T2767972
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.