Voz maviosa como um canto esperançoso

Prólogo:

Música é a arte de usar os sons com intenção estética e expressiva, combinando-os num mesmo todo criativo de ritmo e harmonia. Qualquer manifestação sonora que agrade e enterneça podemos chamar de música. Isso é poesia para os apaixonados.

Esta peroração, tal qual conclusão de uma sinfonia, foi escrita quando eu ouvia "The Voices Of Solaris". Neste texto, onde alcanço o êxtase da felicidade, plana meu espírito ao ouvir a música poética às margens do riacho da miséria originado por minha fantasia. É nesse local surreal que canto o canto penoso de minha insana agonia.

Aos diletos e fiéis defensores de meu estilo epistolar solicito: Deixem que falem mal de mim. Permitam que pensem ser eu o tal, o rei da cocada preta; o doido obsessivo e incipiente ficcionista de meia-tigela que se coloca no contexto do que escreve sem nexo, insulso, como paladino salvador da moral, usos e bons costumes.

Não será por isso que assumirei ares de importância, não me abalarei a ponto de fazer uso frívolo da lei do retorno, tampouco serei um vil arrogante ou deixarei a presunção bater-me à porta onde resido hoje em plena e dolorosa solidão exteriorizada por olhar sério e plangente.

Emasculem-me sem anestesia nos porões dos terríveis pesadelos de horrores, se quiserem as pretensiosas pessoas insípidas e vazias. Não conseguirão me encher de ódio, indiferença, pruridos da alma e tumores do espírito já nos estertores da morte silenciosa, furtiva e fria.

Interessam-me plenas e excelsas fantasias mesmo que sejam efêmeras: A voz maviosa, o canto esperançoso, o toque suave de mãos trêmulas, macias, ansiosas pelo encontro com o passado inspirado na causa satisfatória que extasia.

Desejo ouvir um lamento doce, o cantar suave da alegria triste; ver o sorriso rebrilhante da alma antes em ebulição, mais do que hoje em festa, na crença da esperança que ainda existe um pouco vazia.

Oh! Planos loucos, urdidos em mente febril, elaborados nas madrugadas tristes em penosa agonia. Sobem-me à mente os vapores do álcool forte ingerido às pressas, causando embriaguez como um inebriamento ansiado, mesclados com o perfume na simbologia surda aos meus merecidos lamentos.

Não me fazem falta os alimentos orgânicos, a água sem cor da mais pura fonte, o mel mais doce do favo que busco incansável desde há muito, o conforto da cama enorme, tépida, cariciosa e vazia. Já não ouço a música enternecedora, suave, relaxante, existente no parnaso dos loucos, enaltecida pelo amor imaginário da verdade inalcançável no sofrimento perene que sempre desejei tardio.

Oh! Canto suave da passarinhada que se foi célere, sem esperar pelo porvir de minha glória ansiada, meu prêmio talvez imerecido, substituindo meu pranto amaríssimo e mudo. Junto ao riacho de minha miséria canto o canto penoso de minha agonia insana. Ali se misturam as lágrimas insossas do meu choro na harmonia do marulhar sereno.

Nessa ocasião posso ouvir a música em mansos sons como os gestos repetidos de um adeus sofrido. Uma flor solitária olha-me plácida como a dizer devia eu crer na glória tardia de minha fé sem graça. Pequenos peixes coloridos saltam e fazem espumas como se estivessem no mar anil da felicidade. Agora ouço o som inebriante como se fossem liras celestiais onde se dissolvem as lancinantes dores carnais.

E nesse êxtase de felicidade, onde plana meu espírito agora alegre, vislumbro uma luz multicor em movimento lúdico. Da vida passada não me recordo os uivos sofridos do lobo solitário. Guardo comigo apenas as lembranças do sorriso franco, da cascata murmurante como uma música amada recordada sempre nos momentos de solidão e abandono.

Do presente instante levarei para o futuro esperançoso as marcas dos beijos molhados, os afagos mais íntimos, a lembrança da prática do sexo recreativo, o som do choro de felicidade pelo acme do prazer vivenciado, a cumplicidade, a discrição e a lealdade, os abraços fraternos apertados.

No futuro quero me alimentar apenas com a graça divina de um canto musicado, decantado e formoso, tal qual vaticínio grandioso, mesmo sem saber discernir ou dizer o quanto ele me diz com a voz maviosa como um canto esperançoso.