Caveiras negras

Lanças paradas apontam para o céu ainda escuro de um dia que nem começou,

Troveja neste céu sem cor, enquanto os soldados reviram os campos cobertos de geada,

A madrugada se estende através da manhã enquanto longe, por sobre os montes de terra,

Um ex soldado vai cevando seu amargo, mantendo os olhos tristes na revoada dos quero-quero

E na angústia de seu dia-a-dia em frente ao fogo, esquenta o peito com o mate amargo

Como um soldado pronto para a guerra, sempre olha desafiante para o horizonte, mesmo que escondido na neblina,

E atrás dessa neblina escondem-se as caravanas de caveiras e soldados de lenço negro

Com suas lanças em punho, desafiam a própria vida e as extensões da morte

Mas na plenitude das coisas, no silêncio do amanhecer, enquanto avançam com cautela,

Desaparecem dois soldados entre a carne a terra daquele campo misterioso,

Um sopro frio percorre a espinha dos demais soldados que caminham em direção dos que usam lenços negros e chamam a si mesmos de assombração,

A terra sob seus pés estremesse como um estômago em digestão, e os olhos incrédulos hesitam,

Ao longe segue aquele velho amargurado em frente ao fogo, observado calmamente o nascer do sol,

Nada nem ninguém atrapalha sua solidão, apenas o estalar do fogo no chão a acompanhá-lo,

E na vida, na morte, no campo, não existe explicação além dos fatos, que existem por si só,

Os cavalos pressentem algo tenebroso prestes a acontecer, a hora passa e o sol teima em nascer,

Enquanto os homens rudes com suas áureas negras permanecem imóveis ao outro lado de um monte,

Com lanças apontadas para o céu, chapéus, pala, cavalos negros, uma escuridão lhes percorre o rosto,

Seus olhos escuros e inexpressivos, a boca cerrada e a expressão fria, sugestiva para aquela madrugada nos pampas,

Mas avançam os corajosos soldados, sabendo que não falta muito para encontrarem o inimigo,

O vento carrega um cheiro estranho no ar, diferente dos demais, algo animal, feroz talvez,

Com esforço avançam sobre o monte e aos poucos vão percebendo alguma figura negra no horizonte,

Já com várias baixas sem explicações, eles avistam uma bandeira tremulando com o vento dos pampas,

É uma bandeira negra e rasgada, que estampa uma caveira no seu meio, e ao lado, lanças e lenços negros,

Longe dali o ex soldado, pela primeira vez, desiste de esperar o nascer do sol,

Ele sabe que naquele dia, o amanhecer - e o resto dos dias que se seguirão - serão negros, negros como o olhar de um estranho

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 15/02/2011
Reeditado em 15/02/2011
Código do texto: T2793772
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.