A face de Deus

Um velho espelho, no chão da aldeia vazia

Refletiu minha alma vazia

E nele, vi o meu rosto e senti o verdadeiro horror

Delirei pela febre que me consumia feito chama

Isso me fez indiferente as mazelas humanas

Fechou-me num mundo triste e de sombras

Em meio às sombras, fantasmas assombraram meus pensamentos

Fizeram-me prisioneiro, tornei-me culpado por todos os crimes que me acusaram

Mas, ainda assim, não quero morrer...

... Sim eu quero morrer!

Antes, buscarei o conhecimento

O conhecimento empírico, o conhecimento científico

O conhecimento das sagradas escrituras

Vaidade... Tudo é vaidade para quem ama o discernimento!

Vi Cristo, em madeira, crucificado e entendi o seu propósito

Está muito claro para mim agora...

... Nele não havia soberba, apenas um plano a se cumprir

Ordens do Pai, filho obediente que salvou toda a humanidade por amor

A ela, digo e penso, num turbilhão, que preciso de garantias

Deus dê-me garantias!

É tão difícil conceber-lhe; afinal, vós não sois matéria física

Feito a sua imagem e semelhança tornei-me cavaleiro

Lutei, venci e perdi batalhas por um rei físico, efêmero e vaidoso

Eu vi a morte em minha frente, a tive em minhas mãos

Todavia, o sobrenatural me fez contestar os sacros ensinamentos

E as promessas se perderam na neblina do ceticismo

Como posso acreditar nos milagres e nas promessas?

Se já não acredito em mim mesmo...

... Mas, eu quero acreditar... Acredite-me!

O que será de mim no dia do Juízo Final?

Afinal, haverá realmente, um Juízo Final?

Todas essas dúvidas fazem de mim um pecador?

Fogo e enxofre serão as recompensas do meu mérito?

Queimar-me-ei pela eternidade?

Homem de pouca fé...

... Todos os outros homens acreditam que sou um condenado

Humilham-se diante das incertezas, temem o que está escrito

Recitam preces decoradas e participam de rituais em latim

Sei, mesmo sem comungar, que não posso tirar Deus de meu coração

Ele é uma realidade, assustadora realidade onipresente

Sempre busquei conhecimento

Sim, o conhecimento é tão valioso para mim

Não quero buscar crenças e nem superstições

Eu quero a sabedoria onipotente!

Mas, para que?

De que me valeria tanta sabedoria?

Se Deus me tocar e mostrar-me o seu rosto...

... Seria soberbo de minha parte gabar-me por isso!

Essa é a sabedoria que busco?

Quando tive medo e chorei clamando Ele não me apareceu

Não me confortou naquela vala enquanto o inimigo avançava

Meus companheiros morreram, eu permaneci vivo

O que eu tenho de diferente diante da morte?

O que sei é que não quero conviver com essas lembranças mórbidas

Eu vi a face da morte...

... Quero a face de Deus como alento!

Tudo e nada são a mesma coisa quando se está numa guerra ou resistindo a peste

Só o instinto de sobrevivência prevalece e o sobrenatural não nos protege

Sei que a maioria das pessoas não pensam na morte

Enquanto eu penso nela todas as noites

Até que chegará o inevitável dia...

... O grande dia do encontro

Ah, quando será esse dia?

Percebê-la-ei se aproximando?

Farei dela um ídolo e diante dela me prostrarei?

E, nesse momento verei a face de Deus?

*Baseado em: O Sétimo Selo (1956), de Ingmar Bergman

Marciano James
Enviado por Marciano James em 17/03/2011
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T2854481
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