Centelhas de Esperança
Abro, sorrateiro, a porta
Dobro minhas gavetas no armário
Penduro minha alma suja no cabide
Vasculho a geladeira à procura de um manto para vestir
Refresco-me com alguns pingos de chuva que brotam do piso
Encaro a janela como se fosse a única
Beijo a face polida da minha anistia
No arrabalde, ouço entoarem cânticos de purificação
Quem estará pronto a atender minhas preces?
Volto para a mesa de jantar
Quiçá minha última refeição:
Um prato fundo desencarnado, um copo vazio
Um triste leitão sorrindo a derrota de um covarde
Aprecio, uma vez mais, antes de deitar-me, aquela janela ensombrada
E o que vejo são centelhas de esperança
Desfaço minha cama e deito-me no teto
Como um inseto revestido num sonho distante