Centelhas de Esperança

Abro, sorrateiro, a porta

Dobro minhas gavetas no armário

Penduro minha alma suja no cabide

Vasculho a geladeira à procura de um manto para vestir

Refresco-me com alguns pingos de chuva que brotam do piso

Encaro a janela como se fosse a única

Beijo a face polida da minha anistia

No arrabalde, ouço entoarem cânticos de purificação

Quem estará pronto a atender minhas preces?

Volto para a mesa de jantar

Quiçá minha última refeição:

Um prato fundo desencarnado, um copo vazio

Um triste leitão sorrindo a derrota de um covarde

Aprecio, uma vez mais, antes de deitar-me, aquela janela ensombrada

E o que vejo são centelhas de esperança

Desfaço minha cama e deito-me no teto

Como um inseto revestido num sonho distante

Bruno Cabelo
Enviado por Bruno Cabelo em 17/11/2006
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