Águas Subterrâneas

Sete é um número. A linha de ônibus, o metrô, a tarifa, a conta, a senha. Sete. Vou tentar a sorte com o número sete. Sete esposas dançando nuas no harém. Sete milhões de dólares dançando na dívida externa. Um bilhete premiado precisa ter um sete, mas são sete reais para fazer um bom jogo e sete reais para ter um almoço quase decente - sem suco. É o número da mudança, eu espero. Sete composições perfeitas para a metafísica, onde se encaixa num quebra-cabeça aborrecido. Cíclico e químico, besteiras americanas em livros de capa colorida. Sete ingredientes para o bolo da tortura, e alguns minutos para o desenlace do nó, o despertar da pirâmide, o adormecer dos galos, o vômito das baratas.

Águas Subterrâneas nessas valas profundas e sujas. Homens se batendo nas paredes atrás dos Mercadores da Carne Negra. E um velho cigano circula pelas Águas Subterrâneas com seu catálogo da morte e nos dedos escorre um líquido gosmento e verde, por onde ele passa crianças se alimentam lambendo seus dedos e comendo o podre escondido embaixo de suas unhas. O velho cigano e o catálogo da morte. Sempre alguém espera em alguma esquina por ajuda, pelo Mercador, pelo espectro do vício. Águas Subterrâneas são sete pecados desencontrados numa hidrovia abandonada. Velas acesas para a cerimônia do homem-cavalo, que vai beber o sangue do Juíz do Tribunal Toxicólogo. E o Mercador se aproxima das Águas Subterrâneas com sete estojos na mão. Numa gruta escura e pingando água do teto, com apenas a luz das velas do homem-cavalo, bebendo o sangue, e o velho cigano sumindo dentro de uma vala gosmenta e verde, saciando um desejo ínfame - do Mercador de Carne Negra que expõe o seu produto. Um desnutrido se aproxima e beija seus pés encardidos e esfrega seu rosto em suas pernas, enquanto um tumulto se forma na volta, as crianças órfãs desenterradas estão vindo para provar a Carne Negra que lhe é jogada aos montes e eles fuçam pela terra úmida do fundo da gruta como porcos em seus chiqueiros esquecidos.

Sete homens no improviso da salvação, entrando na gruta escura em direção as Águas Subterrâneas. O homem-cavalo na entrada da porta com a boca suja de sangue escuro e pecaminoso. As velas se apagam num sopro quente e temeroso. A salvação não chega. Sete velas apagadas. O velho cigano se recompõe e vai em direção a um desvalido que se joga contra as paredes, ele mostra seu catálogo da morte e o desvalido podre escolhe uma morte desonrosa e desleal que virá dentro de no máximo um mês. Eles apertam as mãos - a mão magra e firme do cigano suja da gosma verde - e se dão as costas, certos de que sete é um número.

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 10/05/2011
Código do texto: T2960584
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