CASA DAS GABIROBAS (I)/Excerto


                   (Memoriais de Sofia/Zocha)

                   Quem diria que aquela casa de fantasmas cheirava a carambolas, maracujás, ninhos de  gabirobas , de beija-flores nos tufos escuros das paredes desnudas? Talvez fosse melhor dobrar a esquina e seguir pela outra rua. Que loucura era aquela que enredava  para cheirar aquela casa de fantasmas? Os pés afundavam no areião, lavavam -se os dedos, um lava pés quente e morno, lambendo as asas dos lábios úmidos,  limeiras pelos caminhos traziam os revoos dos sabiás, arrulhos de trigais sem corvos,  Araruna era apenas uma aldeia perdida num mapa  geológico onde os marimbondos faziam suas cachopas nas pálpebras das janelas em qualquer hora do dia. E que importava se o sol escaldante curtia as tuias, os terreiros, e as bateias com aqueles grãos avermelhados, adocicados dos cafezais perdidos das terras roxas do norte do Paraná, Zocha desamarrava o lenço sob o chapéu de palha,  caminhavam para ver uma casa alaranjada  de janelas vermelhas. Ali poderia acontecer o ninho esperado, fora prometido. No trajeto a zoeira do cheiro dos fantasmas e a casa fantasmagórica caminhante, se deslocava e vinha ao encontro deles, sem pintura, bordada de maracujás assustando com seu cheiro estranho. Como fugir daquela linha magnética? A cidade quebrava-se, esticava-se, Norte e sul se confundiam, a rua larga do hotel do Comércio se estreitava.  Ali não havia ninguém, só o zumbido dos marimbondos, das abelhas, e uma melodia estranha que cheirava perfume de flores silvestres e fétido  estrume . E as sombras projetavam-se oblíquas e pareciam  formatar imagens nunca vistas, rumores nunca ouvidos.  O ônibus ladeava em curva a montanha e lá distanciava-se  a casa do olhar enviesado, cúpido e míope, afogada no seu próprio delírio...na rodoviária como no café da manhã sempre amanhecia sem nunca  amanhecer, saltavam de seus olhos as gabirobas de asas de pássaros da terra, a primavera incendiava as colméias  das sementeiras...