Divagações sobre "quês" da Vida

Dúvida e maus rumores pairam no céu. Eu, que havia imaginado esta noite ser tão bela como são teus olhos: um banho no lago, passear à beira na praia, observar os pescadores lançando a rede ao mar, e assistir ao sol sendo devorado pela imensidão do horizonte marítimo com tua mão enlaçada a minha mão, e teu rosto reclinado em meu ombro. Quando nós poderíamos fazer isso, e vê a noite de nosso ser se dissipar sob o testemunho da lua, e crer que enfim poderíamos dormir, pensando que amanhã seria tudo diferente? Os pingos da chuva caem sobre a água do rio, um vento frio e úmido agita as árvores molhadas que reluzem como peixes mortos.

Sabemos, e ao mesmo tempo não sabemos, o que ocorreu entre nós, e individualmente dentro de cada um. Tudo se foi. Nada mais me alegra, me aquece, tudo parece vazio e triste; despida das ilusões com que vestimos a vida, tudo parece tão grotesco, feio, repulsivo; os sons e as cores entram no cérebro desafinados e falsos. O medo está novamente presente: esse medo dos sonhos de criança, de contos de fada, de ser empurrado esgoto abaixo pela ânsia de ser feliz. Este medo de estar cercado pelo imutável, esta melancolia com seus filhotes em nossos pensamentos. Como é insípido esse mundo. Como é horrível ter que levantar de novo amanhã, comer e viver, se é que vivemos! Afinal, para que se vive? Por que somos tão idiotamente bondosos, egoístas e cegos de esperanças? Talvez não haja contra isso remédio algum. Vocês procuram o brilho do sol e abençoadas fantasias, todavia terão que aceitar a sujeira e o nojo. Isso tudo está dentro de vocês: ouro e sujeira, vontade e dor, riso de criança cheio de vida e medo mascarado da morte, e do desconhecido, se é que algo tu conheces plenamente.

Diga, meu amigo traidor, sim a tudo, não fuja de nada, não se iluda com mentiras, e se não mais quiseres atuar neste teatro insano de absurdos venerados, constitucionalizados, ensinados nos lares, nas esquinas, em todas as instituições, lembra-te que tens teu auto-abismo da auto-supressão. Você não é nenhum grego mercantilizado, nenhum burguês equilibrado e dono de si; você é um pássaro na tempestade. Deixe que a tempestade, com todos os seus trovões, raios e tua solidão disforme, deixe que ambos despenquem em cima de ti, e dentro de ti meu amigo. Quanto eu já não menti, milhares de vezes representei o sábio e o equilibrado, o compreensivo e o louco, o filósofo da vida e o amante da morte em meus poemas e no cotidiano!? Meu Deus, que pobre macaco com coroas enferrujadas é o ser humano: os que se dizem artistas, (guardiães da verdade e do mundo); os poetas, os comerciantes, os assassinos cheios de fulgor nos olhos, e principalmente eu.

Deito-me no leito virulento do universo, junto a estrelas e buracos negros, ouvindo chuvas de meteoros e os cantos de júbilo gorjeados pelo vácuo, lutando contra as batidas de meu coração que desejam a morte definitiva, mas temendo o desconhecido e clamando por explicações ao “deus” incognoscível e inerte, até que tudo passe e finde dentro de mim, até que as dúvidas se cansem também, até que algo como consolo e o sono acenem e se aninhem em mim. Foi assim antes que eu viesse a nascer, ao completar quinze anos, e assim será depois que o último grão de areia de minha vida despencar na ampulheta do esquecimento.

Quão sórdidas e falsas são essas nuvens onde me condensei sobre as montanhas. Como é falso e metálico o reflexo da luz sobre o lago onde nos sentávamos à beira. Como é ridículo, inútil e sem sentido tudo o que me vem à mente. Como é estúpido toda a estupidez que emana de cada coisa, de cada olhar, de cada toque, desse mundo e da vida. Há dias em que tenho a certeza de que ninguém consegue perceber com tanta exatidão, fidelidade, e precisão as mudanças no ar, nas nuvens, nas cores que cada alma se pinta, nas mães que levam seus filhos à escola, nos médicos operando mais um paciente, no homem que grita que “Jesus está voltando”, no mendigo com os dentes podres e a alma sempre faminta, na fé e nas drogas que liberam endorfinas e dopaminas, nas palavras que não citei explicitamente aqui, mas que bradam mais alto do que a maioria que pus neste papel.

Outras vezes, como agora, duvido que alguém jamais tenha reparado, ouvido e sentido alguma coisa, e que tudo que se pensa, percebe-se, acredita-se e vive-se é apenas mais um reflexo do íntimo de nosso ser transparentemente turvo, onde lavamos, enxugamos e vestimos nossos rostos todos os dias.

Gilliard Alves Rodrigues

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 27/05/2011
Reeditado em 26/08/2011
Código do texto: T2997043
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