gravura/Potty Lazzarotto

          (Memoriais de Sofia/Zocha)

        Quando a aldeia mudou de lugar ela chorou.
Havia deixado lá os rastros e as sementeiras dos pés, havia escrito trovas pelas cercanias dos ventos e levantado voos. Voava com as rochas, voava com os rios, voava  companheira  das árvores, era  um quintal voador e das sementes choviam plátanos e trigais sobre os cabelos da menina Zocha. Mas os olhos da aldeia escureceram, debandearam, os ossos não se fixaram mais nas covas, havia frieza , arrepios e morcegos se passando por andorinhas. A aldeia pegava  fogo de repente e os céus escurecidos recobriam-se de fumaça negra do  luto. Nos cemitérios brotavam agora pomares com  frutos secos , ela havia se despido para ele e colhido rosas de areia, agora os sinais haviam sido trocados, porteiras fechadas, os mata-burros permaneceriam só nas fotografias.A aldeia criança agora menstruava, os seios apontavam como as laranjas-meninas e as flores de pessegueiros cobiçavam o canto dos bem-te-vis. O primeiro olhar ficara depedurado na cerca de ripas, o vento envelhecera, trocara de alforge e saíra a perseguir os caminhantes, desnudando até o velho tocador de  pífaro, que vivia encantado com as cartas de seu realejo. Zocha  secou os olhos e continuou a ler as lições de Ulpiano no livro de capa dura de direito romano. Era agora uma  outra mulher. Os homens faziam leis para cumpri-las, mas, não as obedeciam, e então criavam as penas, os presídios, os exílios para se auto-castigarem. A perda das ilusões também leva a um auto-flagelo  que conduzia  à prisão da realidade, um exílio atormentado onde as ex-crianças  se auto-punem, a consciência  chora as fissuras perdidas. Zocha era agora uma flagelada composição  matérica fragmentada,  os urubus esperavam  seus escaninhos, doloroso era ouvir a voz  do vento rouca e ofegante  a lamber-lhe  ainda os ouvidos moucos, na loucura dos sinais  das sílabas daquela língua morta...

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