[O Meu Colete Chinês]

[Em fuga dos signos do tédio do domingo...]

A vida passa ligeira como a sombra de uma nuvem... Para sentir o estupor dessa frase banal, basta observar a sucessão angustiosa dos signos de um dia de domingo... o tédio emoldura, de uma maneira exasperante, a paisagem de qualquer domingo, em todo o lugar que a gente vá, até no meio de uma mata fechada...

Pela manhã, há uma esperança [vazia], como se estivéramos prestes a receber uma boa notícia, esperança iluminada pela claridade alvissareira especialmente criada para a manhã de domingo... Temos então, a ilusão de que alguma alegria está para acontecer... esperaremos o dia todo para, enfim, ver a força de um não: era apenas o Nada a pairar no ar vazio... e a promessa da manhã era só ilusão mesmo!

Depois, ainda pela manhã, os eventos esportivos. Logo após o vazio deixado pelas disputas, quer sejam elas ganhas ou perdidas, não faz diferença, vem o almoço mais pesado, o sonolento começo da tarde, os programas da TV, a tal da pizza à noitinha, depois, um giro pelos shoppings de vitrines fechadas... e por fim, o terror da noite sem perspectivas, vazia, sem nenhuma esperança, nada a fazer...

Olha só... tudo isto como preâmbulo da minha mais recente descoberta de domingo passado. Foi assim: por alguma razão que desconheço, tenho um enorme desconforto no inverno; sou obrigado a passar frio, pois se vestir um agasalho mais pesado, ou fechado, vem uma suadeira bastante desconfortável!

Já hás uns quatro anos, tem me salvado do desconforto, um colete de malha fina, bastante confortável, prático, aberto na frente, mas com botões e não ziper [exatamente como eu gosto!]. Pois o tal coletinho tem até uma alça de cordão, por dentro da gola fina, para ser pendurado sem criar pontas no tecido.

O desfecho: foi exatamente quando eu me preparava para aquele passeio noturno, para aquela tentativa infrutífera de escapar ao tédio do domingo que eu descobri... Fui apanhar o colete que estava pendurado pela tal alça, e vi o que eu não havia visto ainda: o selo do fabricante! Lá estava: "Made in China"!

Ah, que frustração... eu, este araguarino enjoado, amante das coisas bem feitas, dos bons sapatos, da roupa simples, mas bem acabada, eu... tenho um colete chinês!

E pensar que durante tanto tempo, eu olhava o coletinho, e pensava: também, para ser confortável, ter a medida exata do que eu gosto, tem de ser um colete italiano... ou, "Made in Araguari", isto é, pelos descendentes de italianos da minha cidade perfeita [água mineral nas torneiras e música na voz das mulheres]!

Aí, começaram a aparecer os defeitos: bolinhas demais no tecido, deformações, será que este ombro está igual ao outro... Ah, é produto de carregação da José Paulino! Arghhh... eu, com um colete chinês!

E tudo por que, para tentar escapar à marcha dos signos angustiosos do domingo, eu tentei sair de casa, vestido com aquele colete que não me incomoda no frio! Não incomodava... porque agora, estou em crise... o que fazer com um colete... chinês?!

[Penas do Desterro, 19 de junho de 2011]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 19/06/2011
Reeditado em 20/06/2011
Código do texto: T3044561
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