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                       (Memoriais de Sofia/Zocha)

                          Houve um tempo, diz a verdade da lenda que o hímen do mundo fragmentou-se e descarilou a linha do comboio. Que numa grande explosão de amor cósmico o orgasmo nuclear fracionou o corpo de Osíris em tantas partes quantas houvessem por viverem  e renascerem e que o mundo o cerzisse, o cinzelasse, o aquarelasse ... Assim, a menina Zocha ouvia os testemunhos no Oráculo da infância e não entendia onde poderia encontrar esses fragmentos e como sutura-los novamente e cozia infinitamente, sempre, uma colcha de retalhos que avó Arminda (postiça) havia lhe ensinado a fazer. Cortar cada pedacinho de pano e dar um nó num saco  de  rústicas fibras, e assim ir cozendo de nó em nó o tear  até compor um tapete voador que sobrevoasse o mundo ultrapassando  o tempo. Da janela pequenina  do sótão da casa polaca do bairro do Cajuru, bordada de beirais de lambrequins, entre as araucárias, ela cozia as linhas  do mirante do horizonte. Mas, a rodovia chegou para construir um viaduto desnivelando a casa e afundando suas vistas e ergueu uma muralha sobre  o pergaminho  do tapete mesmo sob a primavera parindo as flores.  Afundavam as fronteiras, separavam-se jardins e quintais e só restava ao fundo o mirante daquela araucária acesa esparramando tapetes de grimpas e rosacéas de pinhas voadoras à alma da menina da  parábola...

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