O QUE FAZER DEPOIS?

Diz o que eu faço com os porta-retratos, mudos relatos dos fatos que não existem mais?

Troco as imagens, mas não as lembranças; digo não ao teu nome, mas rebate a esperança.

Ilusão maldita, palavras caídas nos vãos da traição muito mais afetiva do que carnal.

Afinal a carne pode ser consumida os sentimentos não; esses quando consumidos nos fazem definhar.

Rasgo fotografias, roupas, palavras; só não consigo rasgar sentimentos.

Olho ao redor e vejo cacos; desvio das ruas por onde passamos; placas em cacos; desvio agora dos cacos do meu coração, mas me abaixo e mais uma vez de quatro, pego uma parte que foi tua: eu.

Eu aos cacos, partida ao meio, triste farrapo! Cacos cardíacos ali espalhados, estilhaços de noites e mais noites que a Lua testemunhou. Ela é meu álibi.

Tudo parecia fazer sentido, agora tudo é proibido, pois a história ganhou novo rumo.

Sangro sonhos e a mágoa trava a garganta; triste visão de mim.

A língua segue desafiando, afiada sem a exata noção de que não adianta de mais nada.

Ela desdenha e sabemos; o que disse foi pouco, calei bem mais do que devia. E dívidas devem ser pagas à vista, sem nenhuma prestação.

Cansei de ver tua sombra pelos cantos da minha vida, zombando do meu encantamento, atirei muita pérola na lama do teu descaso; brilhei só e só me ofusquei. Fui barata demais, crédula demais, gente demais.

Difícil explicar isto a você.

Cansei de ver tua sombra pelos cantos sentada à mesa, deitada em minha cama; usando o restinho do meu xampu, gastando minha já tão curta paciência.

Hoje cumpro os horários e você não chega, pois cheguei em meu limite e fervi. Subi feito leite; verti o sangue bem quente.

Primeiro derramei palavras farpadas, ácidas, mordazes!

Depois de tua partida derramei lágrimas frias; tão frias, quanto teu corpo; agora morto.

Afiei as unhas e as palavras. Tranquei-me por dentro, apaguei olhos e sorriso.

Vivi por fora, mas por dentro foi que eu morri.

Logo vou estar em pé novamente e você estará diante dos teus desmandos. Quero assistir tua queda da primeira fileira, de olhos abertos com brilho no olhar; eu- do alto de minhas próprias pernas.

E quando você perguntar em silêncio o que fazer do depois, eu te direi simplesmente: você deveria ter pensado nisso antes.

Vou sair de cena e permitir que você se tranque e sofra nesse agora o que um dia foi o meu depois.

Elaine Spani

ELAINE SPANI
Enviado por ELAINE SPANI em 08/07/2011
Reeditado em 08/07/2011
Código do texto: T3082219
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.