[Andança: Trilhos para o Mundo]

[Se eu não revisitasse sensações minhas, aconteceres do mundo que se absurdaram aos meus olhos, eu enlouqueceria...]

Noite quente, sufocante...

Esses trilhos brilham ao luar

na solidão da gare vazia da Estação.

Brilham como linhas extensas

que se perdem na escuridão,

e presentificam sua dureza brilhante,

absurdamente lisa... lisa do constante

atrito entre aço e rodas de aço...

Há nesses trilhos uma crueza...

A minha atenção se consome neles

de uma modo obsessivo — é impossível fugir

à essa atração que arrasta o meu olhar

para onde... algum lugar esquecido,

ou para tempos despertencidos de mim!

Junto à linha, o cheiro de óleo diesel

mistura-se à emanação da terra molhada,

e me traz uma estranha evocação,

um tempo que não sei se vivi,

ou se apenas o terei sonhado,

alguma perda, em alguma época...

De repente, tenho uma vontade absurda

de me lançar rumo ao nada da escuridão;

jogar-me na linha do trem, arrastar-me

sobre esses trilhos até o inferno distante,

onde, com certeza, essa linha termina...

onde terminam todos os trilhos do mundo!

[... e da velha Minas, mais precisamente do ponto de encontro de duas grandes ferrovias que cortavam os nossos rincões, a planura das grandes chapadas... verte o mundo até hoje!]

[Penas do Desterro, 18 de outubro de 1998]

[da minha coletânea ilustrada por Paula Baggio... "Cavalos da Noite"]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 16/07/2011
Reeditado em 16/07/2011
Código do texto: T3099463
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