Escrevo...

Tenho de escrever, mas não sei o que. As palavras precisam sair e não saem. Não sei se elas têm mais poder do que eu ou se o eu as impede de sair. A luta entre quem escreve e a escrita é imensa. A batalha não se resume só aos dois: autor e texto. Há também o leitor, esse ser hipotético que nasce primeiramente no escritor. O autor, em realidade, não tem autoridade sobre o leitor. É sim submisso a ele, um ente sem rosto, sem idade, porém pleno de identidade. Por vezes cruel. Crítico. Muitas vezes, generoso. Fã. Não raro, cansado. Pesquisador. Revoltado? Pode ter sido obrigado a ler. Não sei quando nasceu. Só sei que nasceu antes de mim e continuará vivo quando eu não mais for. Não sei sua classe social, mas é mais rico e mais pobre do que eu ao mesmo tempo. É homem e mulher. Inteligente ou não. Sábio e tolo. Forte. Fraco. Franco. Não me deparo com quem me lê. Não converso com os olhos a percorrer minhas páginas já não minhas. Deparo comigo mesmo, esse alguém a escrever, reescrever e se inscrever porque lê e não sabe ler porque não compreende o que lê porque não se alfabetizou para a plenitude. Não tem todas as idades, não tem todo o tempo, não tem todo o conhecimento, não tem todo o espaço. Vive e revive cada passo curto ou longo de uma jornada já iniciada e continuada mesmo depois de mim. Não entendo o que escrevo e não sei por que escrevo. Não sei explicar as letras. Não sei se usei as letras certas. Borro o papel com minhas mãos suadas. Derramo tinta. Quebro placas, quebro lápis. Nunca escrevi em lápide. O giz suja minha mão. Minha marca se acaba no pó que cai. Registro haverá de minha existência? Gravarei minha voz. Escreverei num canto. Sem nome e sem data marcados, estarei na memória ou no esquecimento enquanto houver o momento tênue das palavras no espaço entre mim e qualquer um num suporte qualquer.