Ipês

É sempre assim quando agosto vem chegando. Os ipês repetem o show de beleza. Antecedendo à primavera os ipês expõem sua beleza exuberante e deixam marcada outra “vernissage” para o ano que vem, à qual não faltará nem atrasará. A pontualidade eterna vai trazê-los de volta, passados os meses do intervalo, pois há sempre uma nova festa amarela e roxa a preparar. Assim todos os anos.

Não sei se você repara nos ipês floridos. Há aqueles poucos que não percebem. Não prestam atenção contemplativa. Mesmo assim, os ipês florescem no tempo certo exuberantemente floridos como sempre.

O ipê não depende do aplauso da platéia, não espera sucesso de bilheteria, não se exibe para colheita. Ele simplesmente cumpre o seu papel. E como cumpre! Não sei como ele se arranja para encontrar, na variedade imensa das cores que se escondem no mistério oculto da terra, o seu amarelo, sempre o mesmo, tão alegre e expressivo. E no mundo das novidades irrequietas a novidade dele é não mudar e ser sempre o mesmo. E essa é a sua beleza. Aparentemente não tem frutos. Só flores. Como se fosse pouco!

Mas há frutos de outra natureza, que podem ser colhidos pelos que sabem contemplar, observar e matutar, digo, pensar. São as lições e os exemplos do bom professor Ipê. Mesmo enfrentando alunos relapsos, o bom professor nunca deixará de ser um bom professor (essa foi para você, professora dona Bernadete!).

O ipê diz que beleza e harmonia não são coisas descartáveis. Servem para sempre e fazem bem aos que sabem usufruir. Num mundo em que o mau gosto e o deboche tomam conta do cenário, tentando alijar e substituir todas as belezas que o passado arduamente procurou armazenar e transformar em patrimônio de todos, o ipê vem nos dizer que o dom gratuito, generoso e desinteressado vale muito mais que qualquer coisa que se possa comprar com dinheiro ou artimanha. Num mundo em que a generosidade é cada vez mais escassa e os interesses sufocam os deveres,

O ipê diz que a fidelidade pontual é o alicerce que garante as expectativas do futuro e permite olhar com segurança as interrogações que se delineiam no horizonte do porvir. Num mundo em que a palavra se transformou em mera vibração sonora, desvinculada de qualquer compromisso com as pessoas e com a vida. O ipês diz que a naturalidade espontânea é mais eficaz que todos os artifícios que se possam engendrar para atingir metas e finalidades. Num mundo em que tudo se torna artificial e em que o próprio ser humano passa a ser um objeto gerido por controle remoto.

O ipê diz que o trabalho incansável é a ferramenta melhor para se chegar a um objetivo meritório. Num mundo que já se acostumou a procurar todas as vantagens, evitando o compromisso e o suor, fazendo da esperteza e da fraude instrumentos para todas as oportunidades. Que as coisas raras, boas e belas – como o seu amarelo inconfundível – poderão ser sempre encontradas, se forem procuradas com atenção. Num mundo em que a improvisação quer ser dona de tudo, dispensando esforço, tempo e paciência.

O ipê diz que perder as folhas, as talas e a penugem dos brotos é requisito para se chegar depois ao sonho do amarelo encantador e envolvente que estasia o olhar e cativa o coração. Num mundo em que ninguém quer renunciar a nada, abrir mão de nada, em que a ganância e a febre do prazer agem como tiranas, esmagando os sonhos bons.

O ipê diz que subir alto, sem espezinhar o que está ao seu lado, é a melhor maneira de servir a muitos e levar o benefício à distância, sem se escravizar aos privilegiados e poderosos.

É que ele, o ipê, é somente um dos membros da portentosa família da Criação, sempre a serviço da vida e da beleza, fazendo seu papel minúsculo e eficaz.