A Ladeira da Freixedinha...

(extraído do meu Livro "Curriças de Caravelas - Trovas Comentadas")


A Ladeira da Freixedinha ( Parte XXVII)

Lá do alto dos Tojais,
nós avistamos a “Mirandela”,
No lombo dos animais,

íamos à Vila,... com ou sem sela.

Foi ali na Freixedinha, 
onde me morreu a Burra Russa; (*)
Ele era,...  já quase à noitinha!, 

--- Morreu, porquê ela comeu a urze!!!???...
 
(*) Este episódio aconteceu lá pelos idos do inverno de 1958 ou 59 no tempo da apanha da azeitona...e incluo aqui um pequeno trecho de uma crônica alusiva ao tema já publicada algures em um dos meus espaços virtuais! 
 
  • A Morte da Burra Russa...
 
... Eu era garoto ainda, e a minha mãe me mandou de Caravelas a Mirandela, levar a merenda dos meus irmãos que andavam a trabalhar na apanha da azeitona. – Estávamos em pleno mês de Janeiro com uma temperatura divinal de uns 10-12 graus às 10 horas da manhã!... quando partimos do Largo na frente do Adro da Igreja - eu e mais uns 4 ou 5 rapazes, cujos nomes já não me lembro muito bem mas que moravam no Fundo do Povo - a cavalo dos respectivos Jericos, com os alforges dependurados na garupa.
A ladeira depois do Vale da Parada e até à Freixedinha, era sempre  a descer e lá chegámos mais ou menos em ritmo de "fórmula Um"
atrás do outro!... Já completamente fora de embreagem, e com os motores a darem ratés por dá cá aquela palha - que era o alimento combustível preferido da “escuadria” jeguial Caravelense naquela época do ano!
Uma gabela de feno na manjedoura durante a noite, onde ás vezes dava vontade de deitar pelo perfume que vinha do palheiro, e prontos, a Burra Russa estava pronta para mais uma corrida.
Na volta para casa, isto depois de descarregarmos as merendas da semana, nós enfrentámos a subida da ladeira da Freixedinha, e num
planalto de uns 500 metros de extensão aproveitámos para disputar a corrida do dia,...  e... foi lá pelas tantas quando  o meu Jegue -* (era fêmea já entradota na idade a que chamamos aqui de “Burra Russa”, sem ofensa para os outros Burros sejam comunistas ou não!...) começou a falhar do carburador.
-  Fiz sinal para a esquerda e encostei no estacionamento do lado
direito...  Ela - a Burra Russa – coitada!,...  já a botar espuma pela boca,... e eu continuava a cavalo dela, aos chutos e pontapés para a fazer a correr, pelo menos andar... mas nada!
Antes de se deixar cair para o lado, ela  ainda teve alento para comer umas espigas de arçã na beira do caminho.
- Eu dei-lhe ainda mais umas “jasteiradas” para ver se me aproximava do último colocado que acabara de me ultrapassar mas,... não deu certo!
Ela - a Burra Russa - coitada, repito;  desabou das 4 patas de uma vez só, e virou-se para mim com o olho já meio revirado e em jeito de despedida ainda disse: ó páaa!, desculpa lá mas eu fico por aqui mesmo.
Só tive tempo de tirar o pé debaixo da albarda e fiquei ali a chorar enquanto os outros já tinham chegado ao cimo da ladeira, onde pararam ao avistar o meu Irmão Bernardino que vinha também para se juntar aos outros lá em Mirandela.
Tirou-lhe a albarda e me encavalitou na garupa do outro rapaz que levou só até ao fundo do povo... dali até nossa  casa tive que a levar eu mesmo!
Imaginem a minha mãe ao ver-me entrar no canelho com a albarda às costas e aflita a perguntar o que aconteceu?!...
No dia seguinte, com uma pá e picareta, foram lá os outros irmãos a abrir uma cova na beira do caminho da ladeira  da Freixedinha para a enterrar...
Assim  morreu a minha “burra russa” no caminho de Mirandela e eu a cavalo dela...
- Qualquer semelhança com a realidade é pura verdade!
Eu chorei por ela, como qualquer um chora nessa idade, chora pelos seus animais de estimação!... Mas naquele dia eu chorei mais por causa da humilhação de sair de casa em cima da albarda e voltar para casa debaixo dela!
Só sentimos falta das coisas e das pessoas (mesmo sendo animais burros ou inteligentes...) quando as não temos mais ao alcance da mão.
Agora me digam em sã consciência: qual a diferença entre o prazer de um dia poder subir a ladeira da Freixedinha a cavalo daquela ou outra burra russa qualquer, e o elevado momento de abrir a porta de um "Testa Rosa" para dar uma voltinha!!!... nem que seja ao quarteirão da minha rua onde moro hoje depois de mais de 55 anos da morte da Burra Russa!!!???

Silvino Potêncio
Emigrante Transmontano em Natal (Brasil)
www.silvinopotencio.net
http://zebico.blog.com
http://osgambuzinos.blog.com

 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 23/07/2011
Reeditado em 02/06/2015
Código do texto: T3113781
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