Fauna & Flora: SONHOS

Lá em baixo, na calçada, junto à torre vizinha, era um tufo de belas folhas verdes, onde se escondia uma flor lilás. Uma campainha, certamente. E tão harmonioso era o conjunto que sorri, pensando: “Já ganhei o dia!”.

O cão aproveitou para urinar em cima.

Mais adiante, há um pequeno jardim, em frente à antiga papelaria. Colocaram letreiros, para vender ou arrendar as instalações, mas não têm tido sucesso. Sem dúvida, por causa da crise.

No início, passando pelas largas vitrinas batidas pelo sol, sonhava edificar ali a minha obra. Acreditava que o espaço seria ideal para um ginásio – as bicicletas e outros aparelhos voltados para o jardim, os raios solares a colori-los de tons dourados.

Para completar o conjunto, haveria também um estabelecimento de café e venda de comida para fora. E, claro, uma livraria-tabacaria, onde poderia comprar-se boa literatura, blocos e lápis para escrever e desenhar. Mens sana in corpore sano.

Não sei porquê, o sonho esbateu-se e morreu. Passou a interessar-me somente o jardim, que o cão rodeia, cheirando minuciosamente o gradeamento. De quando em vez alça a perna ou agacha-se. E suspiro de alívio, conduzindo o animal até casa. Missão cumprida!

O cão está a ganir lá dentro. Não sei porquê! Está alimentado, passeado – enfim, estão satisfeitas as suas necessidades!

Isso não lhe basta?

Aparentemente, não.

Abro-lhe a porta e entra no quarto onde me encontro a escrever. Todo ele se abana, acompanhando o movimento da cauda. Corre, salta, pede festas.

Pretende carinho?

Avança pelo aposento em passo ágil. Cheira um pouco, aqui e ali, e acaba por estender-se no tapete, no único recanto iluminado pelo sol.

“Afinal só queria calor”, concluo, desiludida.

Então, ele lança sobre mim um dos seus ternos olhares.

E assim ficamos, ele e eu, expectantes…

Ilona Bastos
Enviado por Ilona Bastos em 17/12/2006
Código do texto: T320348