Minhas Mãos
Tateando as paredes da alma em busca de uma fresta,
procurando no escuro uma esperança perdida,
sinto as mãos congeladas no sereno da
noite sem fim.
Posso sentir as rusgas e todas as nervuras
que o tempo sem pressa foi sulcando
aqui e ali.
O tempo ambicioso, guardou em si,
nos melhores murais, que nem
na minha memória ilustrada de
imagens tantas, reteve.
Constante, porém incoerente, o tempo ágil,
construiu fronteiras, ergueu catedrais;
sobrou em mim uma memória frágil,
delineada por uma curiosidade
táctil, quase infantil de tocar, sentir e provar,
longe de toda a censura didática.
Quase posso percorrer as emoções com as pontas dos
dedos; sinto o gosto da lágrima nas digitais
estrategicamente expostas.
Talhadas para a labuta, minhas mãos duras se entregam
na rotina diária sob a batuta do grande Maestro, incansáveis
freqüentam a rotina sem destoarem no
tanque, na pia ou no teclado,
da mesma forma gentil que
acariciam as palavras, acalentam
os sonhos embalados no peito
arfante, de respiração
entrecortada...
Como se conhecesse o meandro
das letras, passeia nas palavras,
sem fazer muito caso do que os
olhos espreitam desarvorados.
Tateando entre uma ilusão e uma emoção,
cumpre sua jornada solitária. Minhas mãos
devotadas, que longe da visão desfocada
do dia a dia sem graça, se unem em louvor
nos domingos de sol ou chuva, quando então
fogem da indiferença para se juntarem num coro
de crença.
Abençoado labor que frutifica por essas mãos de
cor pálida e juízo errático.
Abençoadas essas mãos solitárias que só tem a si,
na ilusão temerária.
Não se fiam no tempo, inimigo da razão, não colhem esperanças,
mas se banham no brilho das estrelas e guardam chuvas inteiras.
Sabem as formas e contornos, e não descansam à sombra
da musicalidade....desenham e traçam
as linhas que lhes estão impressas nas palmas.