[Esse meu Louco Olhar Errante]

[O que mais faço é descompreender o mundo]

Saio da garagem do prédio por uma rampa ascendente que termina num portão estreito, sem visão para os lados da calçada. Uma ligeira buzinada alerta os pedestres que passam por ali. E aconteceu — a buzina estridente não bastou para aquele tipo: buzinei, esperei, mas ainda assim, ele se assustou, e quase caiu sobre o meu carro! Recuou, e passou a gesticular nervosamente para que eu continuasse.

Olhei o geral do tipo: pardo [mas não "à maneira de avermelhado", como disse o Caminha em sua carta] baixinho, mal vestido, mas não andrajoso, e uma carapinha de cabelos embaraçados... Um louco, pensei. E fui embora pensando na razão por que eu evitei olhar nos olhos daquele "louco"...

Enquanto dirijo, penso... Quantos loucos há por aí... Mas o que é um louco, e quem são os loucos, eles, ou eu? Impossível saber; ou antes: resposta é relativa, pois depende do referencial de quem olha...

E nunca respondi a essa questão fundamental: como é o mundo, as coisas, as pessoas, e mais, como são as relações entre as coisas e as pessoas, se vistas "a partir" dos olhos de um louco? Mais próprio seria perguntar: a partir dos "olhos do Outro"... Daí, talvez, nasça a guerra na vida...

Meu olhar é errante... Eu sempre olho com intensidade quase obsessiva os olhos dos bichos que me veem: dos cães, das aves, das cobras, dos bois, dos cavalos... Leio, como seria de se esperar, o possível ataque, a fuga, o temor, a indiferença, a insegurança...

E da mesma forma, olhos os olhos daqueles tidos como loucos... E olho também os enigmáticos olhos das mulheres, dos estranhos na rua, dos bêbados, da audiência de um seminário... principalmente, olho os olhos que me olham, num perfeito enlace [ótico?] de mútua descompreensão! Quem me descompreende, me toma por louco, isto é, toma o meu olhar pelo olhar de um louco?! Todo louco sabe que é louco? O teste clássico falha: eu já vi pessoas ditas "normais" rasgarem dinheiro...

E o que dizer do relance rápido [e aparentemente assintomático] de olhares de pessoas no carro ao lado, no farol, na mesa do bar... Olhares vazios de conteúdos? Como saber? Impossível!

Afinal, esse meu louco olhar errante, é louco mesmo?! Eu nem disse tudo que pensei depois de topar com o "louco" na saída da garagem do prédio onde moro!

[Penas do Desterro, 11 de outubro de 2011]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 11/10/2011
Reeditado em 11/10/2011
Código do texto: T3270655
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