Era uma vez... um homem... um anjo... um poeta...

Era uma vez... um homem, que às vezes tomava forma de anjo, e voava e voava, outras vezes, cavalgava em seu cavalo branco em uma longa estrada adornada por lírios brancos, cujo perfume exalava suavemente e se espalhava pela brisa orvalhada da manhã e ao cair da tarde, no poente, e que fazia belíssimas construções poéticas em dedicação à sua amada. Esta, pela fragilidade do ser mulher e pela ingenuidade que lhe era peculiar, ficou completamente encantada pelo homem, pelo anjo e pelo poeta.

Ela, apaixonada, vivia dignamente em seu castelo enfeitado por árvores frutíferas e perfumadas que abrigavam pássaros das mais variadas espécies, repleto de flores coloridas salpicadas de borboletas de todos os tamanhos e cores, decorado no seu interior pela elegância traduzida pela simplicidade do ser em sua meiguice e benevolência.

Ele, por sua vez, vivia em seu jardim, rodeado de flores de todas as cores, porém, angustiado pelas desventuras de um ser humano aprisionado pelo emaranhado das escolhas voluntárias, feitas durante o percurso da sua jornada terrena. Ensimesmado, pouco sorria ou chorava, diariamente, atuava; às vezes, num vacilo, cantava, num cochilo, sonhava; outras vezes, compunha versos, e, quando convinha, vivia... e sobrevivia, assim, de poesia.

O poeta, elegantemente tecia versos que cumpriam o propósito de declarar a grandeza de seu amor à amada. Esta, lia nas entrelinhas, a delicadeza da expressividade adotada em cada verso declamado pela alma do poeta, que, enquanto anjo, era marcado pela invisibilidade e, sua presença, descoberta por um calor descomunal, que teimava e queimava a face dela com delicados beijos roubados...

Ora atraída pelo homem, ora seduzida pelo anjo, ora apaixonada pelo poeta, a amada não se decidia, pois, não sabia escolher dentre eles, qual a faria mais feliz... e teve uma enigmática ideia e propôs aos três uma difícil tarefa: ao homem, que plantasse um jardim com flores invisíveis em seus canteiros; ao anjo, que plantasse um jardim com flores de plástico e, ao poeta, que plantasse um jardim com flores sem espinhos.

O homem, teria que cuidar do seu jardim tomando os devidos cuidados para que não pisasse em nenhuma flor, isto é, teria que saber a localização perfeita e cada detalhe de cada uma, ou seja, a cor, o formato, o brilho, o aroma; o anjo, teria que ter um termômetro e ser muito delicado e cuidadoso com as mãos, posto que as flores eram de plástico, para que não as queimasse com seu excessivo calor; o poeta, detentor da arte e sabedoria com as palavras, teria que cuidar para que não nascessem espinhos em suas flores.

E cada um seguiu adiante para cumprir a sua parte...

Passados alguns meses, todos se reuniram para os devidos comentários da empreitada atribuída a cada um. O homem estava com um olhar triste, o anjo com um olhar embaraçado e o poeta estava com um olhar misterioso.

E cada um comentou sobre a tarefa...

O homem tristonho, disse:

- Companheiros, eu não sei o que aconteceu com o meu jardim, pois eu sabia o local certo de cada flor, bem como o formato, a cor, o aroma, o brilho... e, quando pisava, tinha todo cuidado... e, o meu jardim morreu...

Todos ficaram compadecidos dele, porém, deram sequência à reunião.

O anjo, enrubescido, disse:

- Seres viventes, eu não sei o que aconteceu com meu jardim, pois, todos os dias, antes de tocar em cada flor, eu usava o termômetro e controlava o calor das minhas mãos, e, quando as tocava, tinha todo cuidado... e, o meu jardim morreu...

De novo, um olhar de compaixão se espalhava pelo ar...

O poeta, cabisbaixo, disse:

- Mortais e (i)mortais, eu também não sei o que aconteceu com meu jardim, pois, quando os espinhos brotavam, rapidamente eu os arrancava com minhas palavras... e, quando tocava as flores, tinha todo cuidado... e, o meu jardim floresceu...

A amada, então, explicou a cada um de seus pretendentes o que tinha acontecido em cada jardim.

- O homem, precisa ver para crer, e isso dificulta um pouco o seu desempenho em cuidar de um jardim. Ele confiava em sua visão. Como não via as flores, realmente não acreditava que elas pudessem brotar e não jogou uma gota sequer de água.

- O anjo, ao contrário do homem, crê para ver, e isso dificulta um pouco o seu desempenho em cuidar de um jardim. Ele confiava em sua mente. E ele cria que seu calor era realmente muito forte, mas, que quando quisesse as resfriaria, com o poder de sua mente.

- O poeta, sente, crê e vê, quando lhe convém, e isso lhe permite maior desempenho em cuidar de um jardim. Ele confiava na expressividade das palavras. E ele cria que elas protegiam as flores de insetos, que elas arrancavam os espinhos que teimavam em brotar, que elas exalavam um bom perfume, que elas quando lacrimejantes, regavam o jardim, naturalmente, que elas tocariam fundo no coração da amada e que revelariam todo o seu grande por ela.

Decepcionados, o homem, cego, trancafiou-se na dor e morreu; o anjo, decaído, chorou e adormeceu; a amada, caiu em si... e perdoou... e tornou-se poetisa do amor...

O poeta, livre... segue cantante pela virtualidade da vida... plantando flores... inibindo espinhos... transformando realidades... acomodando ninhos... atenuando dores... ditando caminhos... construindo pontes... tingindo de carmim... os devaneios... completando vazios e anseios... maquiando faces... em cores... espalhando alegrias e amores... incomodando seres tortos... levando luz à mortos...

A poesia... abnegação da visibilidade do homem... abnegação da condutibilidade do anjo... ratificação da sabedoria da alma incólume...

Maricília Lopes Silva
Enviado por Maricília Lopes Silva em 15/11/2011
Reeditado em 20/11/2011
Código do texto: T3337851
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