"O Engano".


Eu havia aparado o bigode, passei água de colônia.
No cabelo, passei brilhantina Glostora.
Sem falsa modéstia, eu estava uma tesão de macho.
Coloquei meu terno de risca de giz e meu sapato preto e branco.
Com um perfume que eu mesmo fiz de essência de almíscar, parecia um artista da Atlântida.
Rua Direita, Largo do Café, lá vou eu.
Peguei o bonde na Avenida Dom Pedro, em uma hora, lá estava eu no meio daquela gente.
Muito piparote, muita elegância, mas de repente minha musa aparece.
Tinha ao lado uma Dama de Companhia, mas isto não importava, só o flerte.
- Bom dia simpática jovem, seria por acaso Dona Arminda, Filha do Senhor Doutor Euclides Sampaio?
Ela baixou a cabeça e partiu para os lados do Anhangabaú, que sua Aia, com dificuldade a acompanhou.
Não consegui ver seu semblante, por ele eu teria uma idéia, se era vergonha, raiva, sei lá, pois estava acostumado ao ataque.
Quase chegando à Praça do Correio, as alcancei e repeti a pergunta.
Quando ela me olhou com seus olhos verde-esmeralda, os mais lindos do mundo identifiquei “minha esposa”, só que ela ainda não sabia, mas seu dote vai dar para pagar minhas dívidas de jogo, e sobrar para farrear mais um pouco.
Com sotaque francês maravilhoso, ela falou.
- O Senhor deve estar enganado e, por favor, não fique próximo de mim. O “Barrom” pode não gostar.
Com o melhor de meus sorrisos falei:
- Estamos no Brasil, e eu sou livre, o Barrom aqui não manda nada.
Algo me tirou do chão, fiquei pendurado pelo paletó como uma marionete. Era um escravo de mais de dois metros e com olhos de sangue. Segurava-me, com a mão esquerda e a direita estava fechada. Se ela viesse em direção de minha cara, eu estaria irremediavelmente morto:
- Mom Cherry - era ela falando com um senhor de meia idade, que olhava a cena sem expressão, nem triste nem alegre.
- O cavalheiro que nem sei o nome, estava me explicando como chegar aqui, eu havia me perdida; estava indo para onde cavalheiro?
- Para a Liberdade Senhora.
- Ah solte o homem Lhutor - ele me colocou suavemente no chão.
- Sou o Barão de... - E disse um nome que povoa meus pesadelos, mas impronunciável. 
Com as desculpas do Barão, e o sorriso da Condessa, saí dali bêbado, antes de chegar ao Largo do Paissandu. A Aia me alcançou e entregou um bilhete escrito as pressas.
 
Monsieur, preciso falar contigo, esteja na Igreja Santa Ifigênia, às quatorze horas de terça feira dia 09.
Os. O Barrom vai viajar, levará o escravo com ele.
Ass. Suzzette."

Pensei muito, sonhei muito com isto, me aconselhei com amigos e terça feira, dia 09 as quatorze horas estava lá porém fiquei à distância, e vi que dois homens provavelmente empregados do Barão vigiavam minha prenda.
Escrevi outro bilhete e passei despercebidamente colocando em mãos de sua Aia, e disse que ela estava vigiada e se quisesse algo com alguém primeiro teria que largar do Barão.
A Aia falou:
- Isto ela não fará, deve muito dinheiro a ele.
E nunca mais a vi, minha doce Suzzette. Mas só de pensar nos carinhos que ela teria me proporcionado, e na hora me lembro do carinho que com certeza o bondoso Lhutor me faria, acendo minha cigarrilha e, espere aí...


- Bom dia... simpática jovem, seria por acaso Dona Arminda filha do Senhor Doutor Euclides Sampaio?
- Não.
- A semelhança é tão grande, sua pele louça, parece uma imagem da virgem que tenho em meu quarto, suas mãos, posso pegar? Você é católica?...

E assim o garanhão destrói mais um coraçãozinho.



OripêMachado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 21/11/2011
Reeditado em 21/11/2011
Código do texto: T3348115
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