Da Avidez do Signo


Os dedos digitam vagarosos tentando narrar o silêncio que juntos não tivemos e os vocábulos diluem a tradução mais clara e cálida do que não existiu.... esse vagar nas teclas parece querer tatear, reter insolitamente o sortilégio do que se perdeu. Os dedos digitam apressados, pesam pensando em não omitir referências, referências que cubram hiatos, gestos inanimados entre pólos ferventes e antárticos.
A velocidade do pensamento, o corte e o mergulho em outro, como um boto mítico sumindo nas águas. A percepção de um instante como um cão, que ressonando, de pronto, levanta as orelhas - o mínimo ruído, apreensão instintiva e tudo se altera no coração das coisas paradas. Esse átimo tão orgânico e inenarrável. A paisagem longe, mas pregada na memória, estica-se querendo fazer-se presente, para o prazer do sujeito instante, mas o presente, é e não é, a paisagem na memória... desdobrada, des_feita, sem decodificação, que possa devolver-lhe o fascínio saciado...e as palavras insistem em congelar-se num momento que é, e já foi. Servem-se de metáforas forjando amplidões, sinestésicas intenções, hiperbólicas emoções. Talvez a fotografia seja mais generosa e inexpugnável - um flash do foi assim....e continua sendo aos olhos do instante. As palavras sempre multifuncionais, plurissignificadoras, abertas a tantas leituras quando, por vezes, precisamos de apenas, um, um único significado, redondo, completo e pleno.
É a palavra captando a energia frívola do momento não mais identificado, como o vento que passando, baixou o fino capim e um transeunte mais atento percebeu que ventava levantando a gola do casaco.
A energia das coisas e dos homens débil e frágil nas palavras arquitetadas porque a essência dessas identidades, saiu do centro da ação, caiu da estante do momento para dentro da boca do signo. Signo, signo voraz ! Tu devoras a carne do instante e a rumina como o tempo devorou meu triste olhar contemplando as gaivotas sumirem naquela balsa do canal da Mancha num céu de chumbo. Eu sabia-me ali, pela última vez e isso bastava, mas tu estendeste aquele momento até o cerne da tua dura matéria, pulverizada de sentidos preexistentes. Signo ávido que bebe de uma atemporalidade não espiritual todas as minhas sedes humanamente carnais, e mesmo o residual, o que se quer ali, descansando, tu remexes, embola e arranha como um gato brincando com um novelo, novelo enrolado com tanto cuidado para tear a textura de uma glória simples que ignoras. Tu esgotas-me e todas as fotografias do tempo que me recortam e fragmentam-me nesse ser sem nenhum sentido ou verdade absoluta, desmoronam na tua ânsia de desconstruir-me à tua conveniente ficção.
Diante de ti, queria-me nua, caminhando sobre uma folha de arroz, em direção ao infinito, ao intraduzível, como uma esfinge. Uma luz nas lúnulas dos meios seios te cegaria e eu percorreria esse espaço como num vórtice em incógnita dimensão, como um espírito felino, indecifrável e astuto que se esgueira das coisas e das pessoas sentindo a vibração dos objetos intocados. Diante de ti, nesse momento, desmantelo-me da tua irrealidade. Meu sumo imerge em água fervente como hortelã que se dissolve para servir a um propósito mais fresco. Atravesso minhas fendas, minhas próprias latitudes, meus nervos e entrego-me ao silêncio.
Ana Valéria Sessa
Enviado por Ana Valéria Sessa em 27/11/2011
Reeditado em 30/12/2011
Código do texto: T3359615
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