METAFÍSICA

Não sou muito afeito a prosas. Gosto, sim, de poemas. Permitem-me a expressão em sentido lato, quanto breve.

Poesia é substância presente, decerto. Captam-na qualquer que se redescubra sensível. Há poesia em cúmulos e nimbos, entrevistos da janela mal cerrada. O ar denso, que prenuncia a chuva, carrega poesia e tempestades. Pode haver poesia numa cadeira velha que ninguém mais ocupa, coberta de pó, ao canto, num quarto vazio. Não é a cadeira em si que evoca poema. É talvez sua posição relativa a nada, naquele quarto, há muito devoluto, carregado de lembrança, que desdobra a imaginação de quem vislumbre o quadro, em branco e preto.

E carregado assim, é que me reporto. Sinto poesia quando me sinto triste. Penso em cúmulos, nimbos e cadeiras vazias em quartos vagos. Penso em branco e preto, meio sépia, vago, quanto carregado...

Efêmero desarranjo neuroquímico ou o que o valha, não consigo atinar com causalidade.

"Quem é você?", inquire-me, severa, a tal senhora.

Olho para ela. Olhos medonhos. Infunde medo. Não sua voz. Não seus olhos. Mas a pergunta.

"Quem é você?", insiste.

Nimbos, cadeiras, quartos, vazio...

Mastigo uma qualquer coisa que dizer-lhe. Desejo que vá. E desejo dizer. Calo-me, vago e carregado. Não sou muito afeito a prosas...

2007, 6 Jan