[O Lugar Onde Morrem as Vontades]

[Anotação de um sonho à-toa]

Não sei dizer exatamente quando foi... Mas, nalguma noitinha despercebida, dessas que caem bem devagar, eu cheguei neste lugar onde não há nenhum estoque de aconteceres — exceto a minha chegada, é claro! Este é um lugar onde o tempo apodrece os velhos beirais de casas habitadas por fantasmas vivos. Gentes de faces impassíveis, cuja voz não sai da garganta porque falar perdeu o sentido, já que tudo que se disse nos tempos antigos, perdeu a validade — são seres vigentes no umbral da morte!

Só a morte é um evento notável: um certo velho cumpriu toda a sua existência aqui, e morreu ontem de manhã. Doravante, apenas as pedras da rua guardarão as suas memórias antigas, e guardarão, inexpugnável, o segredo daquele olhar mortiço que ele lançava para a rua. E, embora se saiba que as pedras são o caminho, ao se fechar este último par de olhos [o meu...] que ora as contempla, o esquecimento será mesmo para sempre. Nada... não restará nem traço da existência daquele ser. Fica a pergunta: estaria o caminho está, e não nas pedras?

Dormi numa casa que encontrei aberta, abandonada; nem medo eu tive. Amanheceu para mim, pois amanhecer é um dos eventos inevitáveis, até mesmo aqui. Ontem, quando eu cheguei, pensei que descobriria as razões, os motivos para eu peregrinar o meu olhar numa região assim, um cemitério de vontades. Estou no não-lugar, ou no lugar onde as vontades se estiolam e morrem sem afrontar a luz. Lugar onde definitivamente se pode encontrar a verdade fatal dos humanos: no batente-de-fim-de-linha, a vida vazia, guardada em silêncios, inútil...

O olhar envelhece quando não mais se consegue ver outra coisa que não seja a transição dia... noite, e noite... dia... Falar o quê, e para quem, se todos se perderam em si mesmos? Por isto, aqui, onde os continentes desandam em nada, morrem todas as vontades; um gesto cansado da mão já basta para puxar a cortina, e silenciar a voz.

[Penas do Desterro, 26 de junho de 2008]

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Texto recuperado do diretório "LIXO"... E deveria ter ficado lá...