Montanha-russa
Shhhhhhhhhhhh! Escute o silêncio de novo. É ensurdecedor. Nenhuma palavra, nenhum som. Dizem que barulhos extremos levam ao estresse. O silêncio extremo leva à loucura. O silêncio indesejado leva à loucura. A vontade de ter as suas palavras provoca situações, a imagi-nação voa livre, mas sem rumo; não existe um pólo magnético que oriente a viagem. Perde-se.
Muitos sentimentos acompanham esse silêncio, essa falta de direção. O desprezo, ah, o desprezo. Recolho-me como um molusco em sua bela concha helicoidal. Por fora, sorrio, brin-co, falo, danço; é a concha de cores e brilho deslumbrantes. Por dentro, choro, sofro, me enrolo; é o animal verdadeiro de órgãos e dores.
Dúvidas são muitas. Como numa brincadeira de cobra-cega, vou tateando as possibilida-des (e há várias). A verdadeira está em você. Eu preciso é te achar. Mas onde você está? Com uma venda nos olhos, podendo somente sentir o ambiente, não te localizo. E você, que ingrati-dão, observa de longe o meu desespero e não se sensibiliza, acho até que sente prazer. Eu grito, na vã tentativa de chamar sua atenção. Mas o meu grito é mudo ou seus ouvidos são surdos. Eu ouço o som de sua risada e tento me guiar por elas. A sua maldade cala a sua voz e eu novamente o perco.
Essa relação é insana. Estou eu, mais uma vez, atingindo picos de felicidade e fascinação e quedas vertiginosas na profunda tristeza e decepção. É uma montanha-russa. Num primeiro momento estou bem no alto, sou a todo-poderosa, enxergo tudo. No próximo segundo, a queda livre, não há obstáculos para minimizar o efeito do mergulho no nada. O coração sobe à boca, a pressão esmaga os pulmões. Procuro me libertar dessa brincadeira sem-graça. Não consigo por-que as amarras me prendem. São suas deliciosas mãos. Por mais que me sinta sufocada, sinto o prazer de seu contato, o cheiro de seu corpo, seu hálito me esmorecendo e viciando e o desejo de tê-lo faz com que eu continue na brincadeira.
(Em algum lugar do ano de 2004.)