Aceita...

Aceita a minha vida que escorre ladeira abaixo, esse leito de rio que se avoluma, que não sabe por onde corre, que arrebenta diques, sulca terras secas, rola seixos sem tréguas, dia após dia para desaguar num mar imenso e desconhecido...esse rio sem nome que ganha a cor do céu e morre anônimo num oceano qualquer, que banha encostas íngremes...

Aceita essa vida sem graça que vende graça em sorrisos plásticos, em risos cômicos. Aceita esse fantoche debochado que se balança no palco da vida como no dia da estréia, entre choros e risos convulsivos...

Não me fale de sonhos, nem de esperanças, quero sentir o gosto tanto do melaço como da cicuta que transborda desses cálices que tenho nas mãos; quero em proporções nada iguais essa mistura sóbria de verdades previsíveis e mentiras necessárias.

Quero na carne a cicatriz do ontem, a gravidez contínua de muitos amanhãs; essa crescente ebulição de palavras catadas num emaranhado de sensações, de muitas experimentações.

Aceita esses meu silêncios barulhentos, aceita minhas palavras caladas, manchadas de pecados tolos. Aceita meu sinônimo de amor atração, vestido de incontáveis horas de gozos solitários. Aceita minhas aventuras sonoras, registradas com palavras discretas.

Sei muito mais do viver hoje do que do morrer, e mesmo que morra inevitavelmente um pouco todos os dias, quero o gozo do aprender em cada prosa, em cada volta do ponteiro, porque me vejo mais lúcida à cada gozo à cada nova linha que rabisco nas páginas do meu diário de viagens.

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 16/07/2005
Código do texto: T34780
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