Desamparada
Eu vivia num barquinho no mundo da fantasia. Era só estalar os dedos que eu tinha o que quisesse, qual criança mimada. Mas esse mundo se tornou pequeno pra mim e eu quis conhecer mais. Tive que sair de minha redoma e o mundo se apresentou aos meus olhos e a minha alma. Ficou difícil viver.
Deparei-me com emoções e sentimentos nunca antes vividos. Tal como um bebê que nasce e começa a travar conhecimento com a realidade, fui eu tateando, provando, ouvindo o que nunca experimentara em muitos anos. O meu lado infantil veio à tona. Entretanto, eu não tinha mais o colo da mamãe ou do papai. O mundo estava por minha conta.
Como foi difícil, e ainda está sendo, encontrar um colo. A chupeta virou álcool. Bebi, bebo. Choro feito criança até pegar no sono. Acordo e continuo querendo colo. O colo do passado, sei que não posso aceitar, nunca cresceria. O colo que eu queria, me rejeita, não me entende, é impaciente, inseguro e me faz chorar.
Sinto-me desamparada, feito a criança que procura caminhar sozinha pelas ruas. Não sabe onde encontrará um leito para repousar e se proteger da friagem da noite. Caminha quase sem destino, sabendo que, se parar, o bicho-papão vai pegar.
Rostos estranhos se apresentam e não ajudam. São rostos com olhos cegos, mal vêem que passa alguém desprotegida, temerosa. Mesmo se uma lágrima cair no pé de alguém, esse alguém é incapaz de parar e me acolher.
Sei que não posso retornar a minha redoma, mas a dor de aprender a viver é solitária e quase insuportável. Sinto-me invisível.
(PRATA)