Carta

Olá, querida amiga dos Rios Grandes

Tudo bem contigo?

Que anda fazendo de bom? (e de ruim também, se quiser contar)

Por aqui as coisas caminham trajadas de espera.

Os olhos postos nos dias que nascem evasivos.

Sem grandes dores, nem grandes amores.

A vida morna.

Sossegada.

Estou lendo, ainda, o livro do Al Berto.

É a voz de um outro país.

Outra cultura.

Mas, onde habitam os meus anseios.

Os teus anseios.

Inelutáveis.

Que o ser humano ama e odeia e estremece igual.

Em qualquer canto do mundo.

Que as ânforas dos sentimentos tecem poesia.

E sorriem humanamente.

Liricamente.

Aqui ou em Portugal.

Tenho pensado bastante na volubilidade das coisas.

Nas minhas incoerências.

Nas coisas de um outro mundo.

Nos anjos e suas sinas.

E seus sinais.

Na tristeza contida em algumas palavras.

Na tristeza.

Com palavras.

Sem palavras.

Nas palavras que escrevo.

Nas palavras que me ofertam.

Como um côdea de pão.

Nas palavras que ciciam em volta de mim.

Mas, que eu ainda não conheço.

E que eu pressinto que têm a voz e o tom dos homens.

Chorando.

Sorrindo.

Sempre sonhando que a luz um dia vai iluminar a terra.

E as mentes.

E a sua fome de singeleza.

Penso na minha mãe.

Que mudou o sentido e o alcance da palavra solidão.

Ao fechar os seus olhos de ébano e mel.

E levar seus abraços morenos pra longe de mim.

Penso no escuro que por vezes me toma.

No tremor da minha voz.

Cansada.

No tremor das minhas mãos.

Cediças.

Na velha rua.

Do velho bairro.

De onde eu espiava as colinas do mundo.

Dormitando numa tarde quente.

A luz tremeluzindo desfocada.

Onde a vida cheirava à terra.

E a mato.

Rumorejando nas manhãs.

O sol a esfregar os olhos.

Acordando sob a névoa nostálgica da aurora.

O dia se estendendo com suas vestes de simpleza.

Como se fosse um agrado.

Um regalo.

Para um mundo desavisado e destituído de maldade.

Se desnudando em serena formosura.

Tecendo nas almas um riso de ventura.

Despertando o canto das imagens vindas com o sonho.

Vindas pelos caminhos da alma que a tua ausência criou.

A passos pacientes.

De espera

O dia nasce menino.

Voando aves no céu.

Voando o vôo leve das borboletas.

Acordando dona lagarta e os jardins.

Acordando as flores andarilhas.

Carregando nos ventos os seus segredos.

A lágrima de uma triste mágoa.

Os silêncios das pétalas.

As cores do medo.

Manhã...

A essência insone das coisas.

O ser humano que pode.

Um belo dia.

Ser poesia.

No tempo ar.

No tempo mar.

No tempo terra.

No tempo ermo.

No tempo entre meia-noite e meia-tarde.

A metafísica da manhã.

Galos cantando.

Graves e lindas cantatas

Cachorros latindo.

Nas sombras da manhã breve e boa

E uma preguiça calada.

Crescendo dos pés para os braços.

A vida murmura.

Sobressaltando portas e janelas.

Água na bacia que começa o dia.

Os gestos da noite ainda tocando os telhados.

Tenho pensado em coisas pra te dizer.

Que pudessem alegrar mais o teu dia.

Que fizessem você sorrir por nada.

Que te pegassem de surpresa.

Coisas feitas de barro e fantasia.

Como um sonho numa noite adormecida.

Embebida nas águas depois das chuvas.

Lá fora um mundo parado no amor.

Como um abraço de urso.

Como um abraço macio.

Como o sabor raro dos lábios ao dizer:

Amiga minha, eu te amo!

E sinto a sua falta.

E choro a sua ausência.

Como uma outra infância que estou perdendo.

Como a hora breve da primavera.

Como a luz inebriante do outono.

E a tinta fresca do mar destes Rios Grandes.

O silêncio dos barcos dormindo nos cais.

Colorindo as águas cheias de música.

Os navios ancorados nas ruas velhas do porto.

Trazem de longe o ritmo das tardes de um verão.

De um fevereiro qualquer.

Trazem o teu perfume todinho.

No teu cheiro bom de mulher.

Saudades!!!

Amiga minha.

Saudades!!!

Toadas dentro do peito.

Florianópolis, 10 de fevereiro de 2012.