Esquecendo de começar...

É quando a lucidez se vai que deixo de lembrar de todo esse meu complexo de ser sempre a barata do dia. É sempre quando o incerto chega que deixo de lembrar que ainda tenho que fazer muita coisa nessa vida, é quando meu baralho deixa de ser um conjunto de cartas em branco, que deixo de me torturar só por não ter mínimo jeito com as coisa do mundo, que no meu apartamento a minha falta de fé ocupa muito mais espaço do que eu, que o espelho cospe na minha cara toda essa minha solidão, esqueço que sou feia, e nunca ficaria bem vestindo uma roupa de marca, que ainda sou a mesma pessoa covarde que na semana passada não enviou aquela carta para o amor de sua vida.

É sempre quando assumo a postura de barata do dia, de marginal da sociedade e passo a acreditar que nada disso é real, que tudo é uma grande encenação e que todas as pessoas que passam pelo meu caminho são artistas do cotidiano, todas contratadas para fazer parte da minha vida como se fosse um filme, tudo de mentirinha. Mas é quando penso no final de toda essa grande dramaturgia, que volto a lembrar que ainda tenho tanta coisa pra fazer, ainda tenho que comprar um cachorro(sempre tem em filmes), encontrar o amor da minha vida, comprar um imóvel, pintar o cabelo, ir ao Rio de Janeiro andar de bondinho; e é quando me pego sentada, sonhando, sozinha, no chão frio da cozinha, que a minha falta de fé grita pra mim: “Anda levanta daí! vai viver esse teu filme, pinte esse cabelo e vá para o Rio de Janeiro! quem sabe você não encontra seu grande amor e assim você não passará o resto dos teus dias pensando no final da história e esquecendo de que todo grande fim sempre tem um começo”.

Rafaela Rezende
Enviado por Rafaela Rezende em 18/01/2007
Reeditado em 22/01/2007
Código do texto: T350624