PRESÉPIOS DE AMANDA
Se no céu havia lua, já chegara o momento de conversar com o silêncio.
Calçou suas sapatilhas de ponta, porque como bailarina voltava a receber a xícara de leite morno.
Sentou-se apoiando os braços numa mesa de pedra forte, fortaleza sem estar cinzelada, capaz de resistir o peso dos séculos daqueles presépios.
Rústicos pincéis, talhados em madeira de longínquas oliveiras, estavam espalhados junto a quarenta e quatro frascos de tintas. Para cada cor, quarenta e quatro gotas de azeite, raspas de carvalho e bálsamo.
Amanda pintava as imagens com sua tímida prece, perfumando-as com o mais puro incenso e adornando-as com a luz viva do ouro de seus cabelos.
“Despojo-me das formas de meu corpo e da fonte de meu leite, mas aprendo com minhas mãos plásticas a moldar-me em bege argila. Por isso hoje sei que me criaste artista. Preparo-me como um profundo pilão. Recebo todas as pedras brutas, e que dentro de mim, moam-se todos os grânulos de mirra. Ferrugem tem sido este sabor, mas faço deste sagrado pó o remédio que sanará minha cicatriz.”
Acomodando-se na cadeira nem percebeu que já tinha amanhecido.
Sentia-se descansada, como se estivesse apoiando sua cabeça num suave ombro.