Solilóquio de um invejoso

Você zomba de mim, árvore. Não pense que não percebi, velha frondosa, da tua postura jocosa em relação ao meu ser. Ora, por que não haveria de zombar de mim? De razões você dispõe para tanto.

Tens a terra pra lhe abraçar as raízes, te nutrir e te sustentar. Eu? Eu sou um bufão sem solo, intruso sobre toda terra, malvisto, malfadado, malogrado, malfalado, deslocado, banido e sem sentido.

Você também é sólida na superfície, mais ainda no cerne. Eu sou de carne frágil, e espírito pior ainda, que cede e se despedaça frente à dor e à paixão.

Você se fortalece com os anos e a idade só a torna mais robusta, enquanto eu me torno cada vez mais vulnerável à minha própria humanidade.

Mas o que mais invejo, velha frondosa, são teu galhos que alcançam as estrelas; meus braços, não alcançam nem meus próprios sonhos.

Entendo enfim, que zombes de mim, e aceito teus gracejos sem ressentimentos. Só quisera eu, pudera eu, ter chão e fortaleza como você. Quisera eu, pudera eu, ter na mão as estrelas, como você.