Escuridão que denuncia

"Ainda era cedo para acender as lâmpadas, o que pelo menos precipitaria uma noite. A noite que não vinha, não vinha, não vinha, que era impossível. E o seu amor que agora era impossível -- que era seco como a febre de quem não transpira, era amor sem ópio nem morfina. E 'eu te amo' era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mas grossa da sola do pé." .

Sempre encontro respostas diluídas nos trabalhos excelentes da Clarice Lispector, mas, de modo geral, eles trazem ainda mais indagações, aí me dou conta de que é perfeitamente possível possuirmos perguntas-respostas, infindas, e que elas não só nos bastem, como também entendamos de uma vez por todas que elas se associam com os nossos traços e que em nada nos diminuem, muito pelo contrário. Eu detestaria ser toda constituída de convicções...

Deixo as luzes apagadas, mergulho na escuridão, que misteriosamente se faz alumiada como dia. Me entendo. Me aceito. Me amo. Fogo já sem sofrimento. Feridas abertas que livram. Farpa que agora não causa incômodo nenhum, porque parece ser parte do pé. Corpo estranho que se apresenta feito intrometido e posteriormente é logo abrigado, como parte da família. Deste modo, sucedem os milagres, que nada mais são do que a agradável simbiose entre uma e outra pessoa, entre mim e você.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 08/04/2012
Código do texto: T3601474
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