Ensaio da Infidelidade

Porta. Maldita porta a cindir mundos!

Era preciso repor ferros antes que nos percebessem livres, miseravelmente.

Dispúnhamos de razoável loucura e um bom par de horas, até a fronteira...

Malgrado o tempo, era depor máscaras e dispor da graça.

E assim, em graça, fizeram-me teus olhos. Olhavam-me e diziam da paixão e da ruína; incrédulos, diziam-me da fé; complacentes, do castigo... Eram olhos de Helena a seu Páris.

(Meu deus, meu deus! e Menelau?)

Aproximo-me. Meus enormes braços te sabiam!

Poderosas, minhas mãos de estivador que abarcam e fazem caber, delicadamente te sabiam!

Tomo-te. Antes, tomamo-nos!

Não se falava em posse, pilhagem. Nem havia entrega.

- Por que, por que fui me achar em ti? Ai, logo tu!

(Como odeio Menelau!)

- E se comungássemos, dia em dia, perder-se-ia o encontro? Perder-nos-íamos a nós?

- O que torna perfeito?

Marés. Eis que as estudava. E queria aportar.

Inundam-se teus golfos, esperando que os invadissem minhas naus. Aberta estadia.

E eu atraco. Meto fiordes adentro minha esquadra de guerra. Urge ir e vir, patrulhando. Não ignorava que bateleiros inimigos acostassem em tuas praias, perigosamente.

(Vou matar Menelau! vou sim!)

Que valem convenções? Convencionados estamos. E se a nós nos convém, por que espúrio? - Hipócritas todos os que passam atrás dessa porta!

Fecho os olhos. E dentro em ti o que sinto não o posso transcrever, pintar, esculpir.

Suprema, jorra a vida!

Como amo essa tua boca a mordiscar meus mamilos, depois, depois! E me vai sorvendo o poro salobro, quinhão a quinhão, bebendo-me como mais buscando para a sede fartar.

Quer parecer-me caber todo em ti. - Sim!

E meus lanceiros, inda exauridos do certame próximo, têm erigidos o moral e o aferro para novo combate. Levantam-se maciços. - Provocação!

Minha língua, peregrina fervorosa de caminhos santos, reconhecida, de reentrância em reentrância vai amealhando sabedoria.

Carrego seladura para mais galopar légua e meia.

(Está decidido! Menelau não passa de hoje!)

Transidos de gozo, arrebatamo-nos para além de eras.

Sela um beijo de muitos fluidos.

Alguém esperava, no tempo.

Travessia.

Ele te pensava em casa de tias velhas. Ela ignorava aonde eu tinha ido.

E para além da porta, hipócritas somos.

2007, 30 Jan

Postscriptum:

Sobrevivem na lembrança as nossas tardes. É realmente uma pena que eu não mais te saiba. Mas sobrevivo.