A IMENSA ANITA E A PEQUENA JANELA

Carlos Edyl SantiagoFilho

Na suave constância do balançar da cadeira, com mais suavidade ainda, Dona Anita contemplava o fragmento do mundo que se descortinava diante da sua janela.

Mesmo com o horizonte interrompido, recortado pelo sobe e desce das colinas mantiqueiras, na sombra lateral da torre da Igreja de Carmo de Minas, da sua janela muito além Dona Anita se maravilhava com o que somente os seus pequenos olhos viam.

Submersa na austeridade clássica de uma mobília então sem utilidade, pairava na lembrança do vovô Lilito e de toda família reunida ao som do relógio de carrilhão. E de crianças brotando, por todo e qualquer canto, ávidas de crescer sem desconfiar que, sigilosamente, combinavam que para sempre haveria esse permanecimento. Somente o tempo, depois de passado e acumulado, no paradoxo de tornado escasso, possibilitaria entender.

Como toda criança, facilmente encantável, gostava da cadeira, do balanço, do rangido da madeira sobre o piso. E quando dona Anita saía da cadeira, antes da sua ausência definitiva, furtivamente sentava eu para descansar naquele movimento.

E foi assim que contemplei o mundo conforme ele para Anita se apresentava. Menino ainda, não podia a tudo entender, mas percebi o mundo muito maior do que conseguia ver, senti a importância de aprender enxergar muito além daquilo que se mostra visível.

Lembro bem da presença constante de um ônibus vermelho, viação cidade do aço, preguiçosamente subindo a serra sempre no mesmo horário. Não sabia para onde ele ia, mas sabia que ele sempre voltava.

Até que em determinado dia, me vi dentro daquele ônibus que fazia a linha Passa Quatro/Três Corações. Dentro dele, todos sabiam por que e para onde iam, e eu menino ainda , fingia também saber.E me encantava com tantas paisagens e lugares que, da minha janela, eu via passar pela minha vidraça. E foram tantas viagens que nunca soube se estava indo ou voltando para um lugar que pudesse chamar de casa. Até hoje finjo saber.

E por tantas viagens, as idas e as vindas, sabia do lugar exato para, quando do alto da colina mantiqueira, pudesse vislumbrar a cidade por inteira diante da minha janela.

Por muito tempo foi assim que matava as saudades, que eu o menino reencontrava nas ladeiras e alpendres que sempre me estavam. E ao lado da torre da igreja, eu via uma parede azul de onde numa pequena e sempre aberta janela, certamente dona Anita a tudo contemplava. Orava.

E hoje, no sobe e desce da cordilheira da vida, mesmo distante, tenho olhos que me protegem enxergando coisas que sempre me acontecem. Sei de uma pequena janela, rara de se ver, mas mesmo que não se faz visível, existe e é de onde, com sua atenção vigilante, dona Anita continua a tudo contemplando. Rezando. Por mim. Por nós.

-Bença vó.

Carlos Edyl
Enviado por Carlos Edyl em 05/02/2007
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