Redentor Regresso

Há dias em que nem o sol brilha e nem a chuva cai, mas o céu se fecha em si mesmo, cinzento sem ser negro, abafado sem chegar à tensão da tempestade. Os meus dias foram ficando assim à medida que eu envelhecia. Cada vez era mais difícil distinguir as manhãs das tardes, os dias de festa dos dias enevoados, as horas de exaltação das horas de depressão. Tudo corria preguiçosamente, numa fadiga paralisante e tremendamente aborrecida. "É a idade", pensava meu coração com tristeza. Estava triste porque tivera esperanças de que a velhice e a consequente extinção progressiva dos intintos e das paixões me trouxessem mais luz e mais alívio à minha vida, acarretassem quem sabe um passo a mais para a harmonia pela qual eu tanto suspirava, e a paz de espírito de minha maturidade estava cheia de pedras e cicatrizes. Esperava que tudo isso desaparecesse, e agora o tempo parecia me decepcionar e me enganar, não trazendo outra coisa senão cansaço profundo em cada leito de meu ser, nesse ermo cinzento e despido de alegria, neste meu sentimento incurável de saturação.

Sentia-me saturado de tudo: da existência pura e simples, da minha respiração, do sono da noite que nunca adormece em mim, da minha vida em uma gruta à beira do pequeno oásis, desta eterna sucessão cansativa de manhãs e noites, e até mesmo das pessoas que vinham conversar comigo sobre tantos assuntos de suas vidas, de seus comércios, de suas conquistas e pecados, enquanto nuvens de dúvidas e auto-acusações fumegavam cada vez mais dentro de minha alma.

Mas meus olhos e meus ouvidos não estavam mortos como as areias do deserto; estavam bem vivos e despertos e não podiam ficar eternamente bebendo e engolindo diálogos e cenas tão fúteis em cada lar, em cada rua, em cada coração que se julgava ser sábio ou tolo. Sentia-me tão exaurido do meu cansaço, e eu suspirava ainda mais pela cessação das torrentes de tanta miséria ao meu redor, dos crimes que minhas mãos teceram, porém nunca praticaram. Eu ansiava que um dia reinasse a calma, a morte e os silêncio em meu ser em lugar desse escoar de tantos ratos, e lixos nesse mundo abominável. Para onde ir, quando a vida perde o sabor, as cores, as formas e os valores? Às vezes surge tantas sensações e tentações de por termo à minha existência, punir-me e eliminar-me como fizera Judas, o traidor, ao enforcar-se.

Lembro-me de que nos primeiros estágios de minha vida penitente, voltada somente a Deus, o diabo tinha contrabandeado em minha alma desejos, representações e sonhos de prazeres dos sentidos e do mundo visando me desvirtuar. Agora neste tempo presente e tão inóspito, a Vida me provava com ideias de autodestruição, de tal modo que passei a experimentar cada galho de uma mera árvore como se fosse o gorjeio de uma belíssima e mitológica sereia a querer me seduzir, a fim de que me enforcasse; a medir cada rochedo escarpado da minha região, vendo se era suficientemente abrupto e alto para o caso de um salto para o covil silencioso da morte, logo eu, que tanto amava cada partícula de vida e de alento que corriam dentro de meu sangue e de minhas veias, que sabia que o suicidio é uma ilusão que a mente cansada e moribunda almeja apenas a supressão da dor, das desgraças, dos martírios que cada ser padece nesta existência.

Eu resistia à essas tentações, lutava a cada instante com minha fé e minhas ideias, todavia eu vivia noite e dia consumido em um incêncido de ódio por mim mesmo, e o desejo de morte só aumentava. Minha vida tinha se tornado numa luta incessante e constante contra tudo o que meus sentidos e minha mente passaram a odiar nesse mundo insuportável e ilógico. Sentia-me envergonhado por me sentir dessa forma, mas ainda cresciam em minha alma todas as aflições do mundo, e finalmente lágrimas desceram dos meus olhos. Meu Deus! Havia tanto tempo que eu não chorava com tanta sinceridade, que algumas sementes de alegria e libertações rugiram em meu coração, e aquela asfixia intolerável que me sufocaca tinha enfim se desvanecido.

Sentia-me agora como uma criança, não havia mais combates, discussões e responsabilidades tentando me controlar; sentia-me mais leve e conduzido, como que atraído e chamado por uma voz tão doce e bondosa, como se fugir fosse agora uma nova viagem, e nessa nova viagem o começo do meu redentor regresso.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 18/07/2012
Código do texto: T3785105
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