Coisas simples
Salta-me falar de coisas que elevam todo o ser
um elenco de belas, singelas, transparentes alegrias,
coisas que um dia provocaram risadas infantis
hoje quiçá dormentes, sedadas ao alvedrio adulto da vida,
inibidas em toda a plenitude da poesia a descansar...
Salta-me falar da primeira semente que plantamos,
da florzinha corriqueira do cerrado, brotando sem se regar,
o abrir arredondado das duas folhas primas e o brilho da visão
da visão da beleza da vida com os olhos de quem planta
nunca qual a implacável mão adulta de quem arranca...
Salta-me falar da magia de correr descalço por aí
sem vergonha da velha e encardida veste, sem espelhos pra cobrar
do ridículo apego às rendas mitigado pela leveza dos trapos,
do contato com a terra com a sensibilidade de quem caminha,
nunca qual a convicção adulta de que imundo possa ser o chão...
Salta-me falar das missas domingueiras, do delicioso amém
e pedir uma singela e saborosa guloseima na saída
de segurar a mão da mãe com a confiança de quem ama
Sentir a felicidade de ter um colo a quem recorrer no medo
nunca qual a dor adulta de que o medo do medo apavora...
Salta-me falar do primeiro amor, pleito de todo angelical
daquele de que ninguém se furta, mas do âmago se afasta,
das melodias que vertem a presença amada à imaginação...
De o amor na sutileza elevada de quem da alma retira o melhor
nunca qual o apelo adulto de amar sem a entrega espiritual...
Salta-me falar da saudade indescritível que tudo isso me traz
e tantas coisas que suplantam e extravasam o limite da razão,
das emoções tão elevadas quanto advindas de coisas tão simples,
pequenas coisas, maiores até que a simples lembrança pode enumerar,
nunca qual a complexidade adulta que delas faz questão de esquecer
Coisas simples que muitas vezes não cabem em mim
E por isso me fazem sorrir, tamanha comoção me leva a chorar!