Mensagem Surpresa
Mensagem Surpresa
David teve de reler a mensagem que acabara de receber no seu telemóvel “Dr. David, permita-me que o convide para almoçar comigo, num dia à sua escolha, como de forma de agradecimento pela felicidade que me proporcionou em tão importante momento da minha vida. Ana Monteiro”. David não teve dúvida alguma de que era mesmo o destinatário daquela mensagem, até o tratavam pelo nome, só que ele não se recordava de conhecer Ana Monteiro alguma.
Releu a mensagem uma vez mais e resolveu tomar nota do número de onde tinha sido enviada, tinha de resolver aquele enigma, iria telefonar. Pressionou as teclas correspondentes aos nove algarismos que constituíam o número que anotara e colocou o telemóvel no ouvido, ouviu chamar uma vez, duas…
- Está lá, desculpe, estou a falar com a Sra. Ana Monteiro?
- Sim, sim, Dr. David, sou eu mesma.
- Desculpe a minha confusão…
- Compreendo perfeitamente a confusão de que fala, como entendo que possa pensar que se trata de alguma armadilha, mas pode ficar descansado, só desejo que me dê o prazer de almoçar comigo, acho que é o mínimo que posso fazer para lhe agradecer tudo o que fez por mim.
- Desculpe, mas agradecer o quê? Que felicidade é essa?
- Dr., acredite-me que não é cilada nenhuma. Vou propor-lhe uma coisa, o Dr. escolhe o dia e o local onde poderemos almoçar e depois telefona-me. Não quero que sinta medo algum.
- Olhe, eu não sei quem é a senhora, mas penso que a senhora está com algum problema, não sei se me está a perceber, algum desequilíbrio. Então eu ia lá agora almoçar com uma mulher que não conheço de lado nenhum.
- Dr., acredite-me que estou perfeitamente lúcida, só quero ter o prazer de poder almoçar com o homem que tanta felicidade me permitiu viver. Dr., David, eu vou aguardar o seu contacto.
David preparava-se para responder que não só não iria a almoço algum, como nunca mais lhe ligaria, mas ela já terminara o contacto.
Os dias passavam e David não conseguia esquecer tão estranho episódio, até que um dia se resolveu a desvendar o mistério:
- Está, Sra. Ana Monteiro.
- Sim Dr., quando vamos almoçar?
- Hoje, eu estou aqui no restaurante “Perdiz”, pressuponho que a Sra. É daqui de Lisboa, para me conhecer tão bem.
- Não Dr., eu nasci e vivo em Setúbal, mas se me der tempo suficiente e me facultar a morada eu coloco-me aí num instante, hora, hora e meia.
- Não, nesse caso vamos fazer de outra maneira, eu costumo ir frequentemente a Setúbal…
- Sim, eu sei.
-Sabe?
- Sim, sei.
- Bem, como lhe dizia, eu vou frequentemente a Setúbal, quando se proporcionar eu ligo-lhe daí e logo falamos melhor.
- Como deseje Dr.
David estava ainda mais confuso, tratando-se de alguém de Setúbal como é o conhecia? Como tinha conseguido o nº do seu telemóvel? Afinal só costumava ir a Setúbal em trabalho.
David precipitou a sua próxima deslocação a Setúbal, à hora de almoço telefonou a Ana Monteiro e lá acordaram um local para se encontrarem, um restaurante na conhecida Avenida Luisa Todi:
- Bem, como eu previa, isto só pode ser um engano, não conheço a Sra., de lado algum.
- Eu nunca disse que o Dr. me conhecia…
- É verdade, mas também é verdade que disse querer almoçar comigo para me agradecer ter-lhe dado muita felicidade.
- Desculpe Dr., não foi bem isso que eu lhe disse…
- Não! Ainda aqui tenho a mensagem que me enviou.
- Então confirme que me refiro à felicidade que me proporcionou e não à felicidade que me deu directamente.
- Ana, desculpe tratá-la assim, vamos lá a ver se nos entendemos.
- Dr. David, eu sou a viúva do Filipe Gomes.
- Quem! O filipe Gomes que foi meu aluno?
- Sim Dr, exactamente esse, sabia que ele faleceu?
- Não, não sabia. Aliás, a última vez que o vi foi no final do curso.
- Pois foi Dr., o Filipe era meu marido, faleceu passados pouco mais de dois anos depois de ter saído da cadeia, o que eu sofri nos anos que antecederam a sua prisão, e mesmo os primeiros anos em que ele esteve preso, mas depois, de repente, ele mudou. Perguntei-lhe o que o fizera mudar, nunca me contou nada, mas a verdade é que foi como se tivesse casado com de novo, mas agora com um homem bom, para mim, para os nossos filhos, um homem que passou a viver preocupado com a família.
- Sim, lamento a morte do Filipe. Onde é que eu entro nessa história?
- Dr. David, o Filipe faleceu vitima de uma doença grave, poucos dias antes de morrer mostrou-me este texto, recorda-se dele?
- Sim, recordo-me perfeitamente, foi um texto que escrevi de propósito para o Filipe, desde o princípio que acreditei na sua recuperação, só precisava de encontrar uma boa razão para mudar de vida. Nesse texto falo-lhe de algumas das coisas boas da minha vida, do meu amor pela minha esposa, a minha preocupação com o bem estar dos meus filhos.
- Sim Dr., mas também lhe conta alguns episódios mais íntimos da sua vida, coisas que acredito lhe terão custado contar a alguém, principalmente um preso.
- Ana, senti que só abrindo o meu coração é que conseguiria conquistar a confiança do Filipe.
- Dr., compreende agora a minha mensagem?
- Compreendo perfeitamente, mas não tem nada que me agradecer, só fiz aquilo que a minha consciência me aconselhava. Deixe-me contar-lhe uma coisa, tenho relido a cópia dessa carta, o rascunho melhor dizendo, dezenas de vezes, principalmente desde a morte da minha esposa. Chego a pensar que não foi por acaso que a escrevi e que abri a minha vida ao Filipe.
David e Ana Monteiro almoçaram, recordaram o passado, um passado que embora nunca se tendo cruzado tinha tantos pontos em comum.
- Ana, tens a certeza que queres dar este passo?
- Absoluta, acho que sempre te amei, desde o dia em que li este texto pela primeira vez.
Trocaram alianças e beijaram-se.
“Nunca hesites em expor-te se tal for necessário para ajudares o teu próximo, Deus te protegerá”
Francis Raposo Ferreira