TUDO É ERRADO

Tudo está errado, tudo vive errado, tudo nasceu errado, tudo permanece errado, tudo morre errado, tudo é errado. Por que? Todas as respostas criadas, imaginadas, formuladas, e teorizadas não seriam capazes de responder a nada. Você acorda da cama ainda dormindo, come o café da manhã ainda sem fome, e o trabalho ali mais na frente dirige teus pés, quando o teu coração ainda não pulsou uma única vez sequer desde que foste cuspido neste esterco de porcos sempre famintos o qual denominamos de mundo. Meu mundo imundo; meu mundo sem mundo; meu mundo sempre imensuravelmente mudo e surdo; meu mundo que nunca é meu, e o que afinal é realmente meu? Quando algo foi meu? Por que algo precisa ser meu? O que prova para mim que algo é meu? Por que se precisa usar pronomes possessivos para se evidenciar que algo é nosso?

É insuportável esse cheiro que emana do mundo: o mundo fede, as pessoas fedem; as tecnologias fedem; a vida fede; as estrelas fedem, mas sempre há flores nos túmulos, e algumas vezes nos leitos dos pacientes terminais. Não, você jamais nasceu, por mais que negue, por mais que objetes, por mais que digas que respiras, por mais que tudo prove o contrário, o contrário nem invalida e nem comprova nada: você é uma ficção em forma de carne e de puro esterco. Não me venha com a sua razão, com suas teses físicas comprováveis, afinal dois mais dois sempre vai resultar numa outra mentira simbolizada. O que eu estou falando? Do que estou reclamando? O universo é um cadáver que jamais cansa de crescer sua morte muito mais do que física e corpórea, e aqui estamos onde nunca estivemos, onde o onde nunca é lugar nenhum, onde a vida morreu antes de nascer, onde amamos porque temos poucas opções. Opções!!! Que opções tu tens seu idiota enlatado? Os ponteiros dos relógios apontam o esgotamento do teu tempo, deste tempo que nunca foi tempo, deste tempo que engole os teus filhos, deste tempo impessoal e atemporal, deste tempo tão indicativo de modos sempre imperativos, sempre nos obrigando com palavras eufemizadas que é preciso sempre precisar de alguma coisa.

Nojo, repulsa por essas necessidades de complementos, desta necessidade que nem o cansaço e a depressão amortecem, desta necessidade doentia de quem necessita, necessita (por esta torpe lógica) de alguma coisa, sempre de alguma coisa ou algo ou alguém, quando essa alguma coisa tida como fundamental é sempre mais uma outra idiotice promulgada como sagrada. Como eu odeio tanto o pecado quanto a santidade, como eu detesto tanto a castidade quanto a devassidão, como eu odeio tanto o amor quanto o ódio. O Tempo vai nos curar? O tempo não cura nada, o tempo não acalma nada, o tempo não desvela nada, o tempo não gera nada: o tempo jaz eternamente preso neste manicômio onde se brinca de cidadão, de criminoso, de homo sapiens, de filhos do Diabo ou de Deus, não importa. A geladeira está no lugar errado, os quadros estão na parede errada, ah! As estradas estão no caminho errado, os caminhos dormem na beira dos abismos, as palavras nunca espelharam e jamais espelharão algo certo, porque novamente eu digo que o mundo está completamente errado, e não se necessita de lógica e nem de ciência para comprovar esta afirmação que em si jamais foi uma afirmação, já que afirmações só existem para serem desafirmadas. Não mudei de assunto, e não preciso jurar. Que lógica há para existir livros para serem lidos ou abandonados? Ou televisões para que assistam a alguma coisa? Que lógica há para termos olhos e visão, quando nada há digno e nem indigno em ser visualizado? Que lógica há para existir alguma lógica ou algum ilogismo, quando tudo são erros beatificados pela Palavra e pelas Ideias?

Concordo contigo, até os anjos odeiam representar seus papeis, porque nenhum ser ou coisa precisa representar papel nenhum. Chega de metáforas, tire-as de perto de mim, pois a vida não é uma escola, nem uma cela, e nem um sonho. A vida não é nada, logo eu nem a detesto e nem a adoro. Até a eternidade já se cansou de durar tanto tempo e pranteia sobre os pés da morte por sua própria aniquilação. Agora eu compreendo toda esta incomensurável incompreensão que fustiga cada célula inútil da alma: nada é certo, porque tudo é errado. Sim, pois o mundo ainda não nasceu, a vida ainda não nasceu, os adultos, os conflitos, as queixas, as cidades, e a pós-modernidade ainda não nasceram, e o próprio nascimento permanecerá sempre no ventre podre e estéril da Inercia onipresente e cosmopolita.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 07/09/2012
Código do texto: T3870268
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