O HOMEM QUE TINHA MEDO DE MORRER

Posso dizer que um dia eu encontrei esse vivente.

Ele era um sujeito assim, bem resolvido, amorosa,

financeira e aparentemente.

Não havia nenhuma razão para se sentir desachado,

renegado, desprezado e outros ados.

Tinha lá seu meio século e pico de vida, mas não era calvo.

Nem calmo, embora se empanturrasse de maracujá e

chá de camomila. Não bebia, não fumava e tomava

religiosamente seu remedinho pra pressão alta.

Não era religioso, mas acreditava em divindades, fossem

masculinas ou femininas. Tinha certeza que anjos não

tinham sexo e que o próprio não continha anjo algum.

Gostava de flores, com exceção do cravo, porque

lembrava cheiro de velórios e estes, a morte.

Tinha pavor desta. Morria de medo de morrer.

Mas não rezava. Rezar lembrava aquelas mulheres

carpideiras e mulheres carpideiras lembravam a morte.

Jamais, absolutamente em tempo algum, acendia velas.

Porque velas lembravam a iluminação desta pra melhor,

ou seja, desta vida para a morte.

Quando faltava luz era uma tragédia. Acendia o fogão,

lanternas, lamparinas, jornal, mas velas...jamais.

O engraçado que ele sempre achava que ia morrer

no dia seguinte. Nem dormia direito de tanto medo.

O pior é que amanhecia vivinho, todos os dias.

Assim se passaram uns 40 anos, caindo raios ao seu

redor, além de aviões e alguns meteoritos.

Nunca olhava para o céu. E o céu nunca olhou pra ele.

Nem nunca o chamou. Nem sei quantos anos tem agora.

Sei apenas que trabalhava como coveiro. Não entendi

até hoje a razão de tanto medo.

EDSON PAULUCCI
Enviado por EDSON PAULUCCI em 20/09/2012
Código do texto: T3892424
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