Tudo é Alheio

Não sei se o que sinto é realmente o que sinto; e se o que sinto não for o que eu penso que sinto? Como eu deveria me sentir se eu não sei se o que sinto é verazmente o que sinto, ou se são meras ilusões substanciais produzidas pelo meu cérebro? Contudo o que é sentir, a fim de que eu possa dizer e afirmar “eu sinto isso”, “eu não senti aquilo”? Quem sente, sente alguma coisa ou algo? Que diabos de lógica maluca e irracional são estas? Quem sente sabe o que de fato é “sentir”? Quem sente sabe o que são “sensações e sentimentos”? Não se estará equivocado em definir uma emoção ao se afirmar “foi exatamente isso o que senti”? Não, você não sente nada, você nunca sentiu nada. Você nem chegou a nascer. O seu pesar é falso, a sua tristeza é falsa, as suas festas e os banquetes para festejar a divindade Alegria são falsas; esse rosto que o espelho nunca aprisiona é falso; essas verdades que te orientam, que dizem te transformar numa pessoa melhor ou pior são falsas; a humanidade come, defeca, beija, sangra, chora, grita, vibra, corre, vence, perde, supera, cai e vive aprisionada no tártaro do Inverídico.

E ele está aqui, e não sabemos se é algo masculino ou feminino, não sabemos nem se é uma palavra, ou um substantivo; não sabemos o que é uma palavra, e nem para o que servem, mas ele está aqui, o nosso deus que rege cada gotícula de suor de nossas almas cegas e atrofiadas está aqui: o Vácuo. As ruas são vácuos de pedra e de asfalto; os governos são vácuos que clamam por poder, sempre sedentos por poder e manipulações, contudo são vácuos de forças e poder; dirigimos nossos carros em direção ao vácuo, beijamos nos mamilos, nas vaginas, nos pênis, em cada orifício dos vácuos que chamamos de “corpos”; teu quarto é mais um vácuo que preenches com livros, com lembranças, com remorsos, com preocupações sobre qualquer tipo de coisa, e quando dizes que sentes algo, nunca é nada, pois é o vácuo do que não é, e do nunca será, se dilata silenciosamente e sorrateiramente dentro de tuas artérias e átrios cardíacos irreais. Louvamos o vácuo, matamos em nome do vácuo; vivemos em prol do vácuo; acordamos da cama suados pela fé nos Vácuos; e cada endorfina, dopamina, serotonina e oxitocina são produzidas pelo vácuo ardente e infernal de nossas mentes dúbias e embrutecidas pelo conhecimento do que julgamos conhecer. O que tu pensas que conheces é muito mais desconhecido do que tudo o que pensas desconhecer ou não compreender. Se tu soubesses a profundidade abismal deste oceano nem concreto e nem metafórico o qual é a tua incompreensão de todas as tuas incompreensões.

Pelo amor de Deus, alguém apague a luz, desligue os computadores, feche todas as janelas e portas da casa, desta moradia que nós achamos que habitamos, que conhecemos, que pisamos, que representa algo para nós. Nossa luz nasceu apagada, chora apagada, dorme apagada, caminha apagada, faz compras nas lojas apagada, e isso desde o aborto expelido pelo Vácuo a que chamamos Universo. Tudo é irrepresentável, tudo é insano, tudo é perda de tempo, tudo são moedas falsas mercantilizadas, tudo é o mesmo nada de sempre, tudo continua não significando sempre o mesmo nada inverídico e indizível de sempre. O sentido que todos procuram não se origina do desconhecido, porque nada conhecemos plenamente para rotularmos “aquilo acolá” de desconhecido ou incompreensível. As esfinges estão mortas, as esfinges sempre vivem mortas, e parasitam cadáveres em nossas mentes mortas. As perguntas se enforcaram no cadafalso das explicações. Não acenda essa luz, nem pense nisso! Não dou ordens, apenas deixe a luz resplandecer sua escuridão a qual tanto esconde em seu cerne.

Os corações estão cansados de pulsar. Tudo é tão alheio. “Que cor é esse muro”? As cores são falsas, porque não há cor, nunca existiu cor. Malditas paisagens e cenas que as retinas persistem em captar, em querer reter para a mente, como se isso fosse modificar em si a realidade alheia do que é visto, do que é suposto como visto, do que é caracterizado como visto, do que é factualizado como visto, ou como não visto. A história humana? Que história?! Nunca houve história de coisa nenhuma. Nada possui existência e nem significação. As coisas nem são e nem estão. As coisas só servem para coisificar este mundo afogado em personificações capciosas. A raça humana não vale uma fábula. A raça humana nem raça é. Toda a torpeza de todas as palavras, idiomas e símbolos são poucos e insuficientes para comparar essa matéria fecal completamente inútil, idiota, e maligna chamada de “raça humana”.

Deixa-nos na cama. Não queremos levantar. Não queremos aprender nada, sobre nada. Deixa-nos apodrecer em nosso próprio esterco de mentiras e falsidades essencializadas. E quando saíres por essa porta que nunca foi uma porta, lembra-te de te esqueceres de nós para sempre, pois não queremos ser lembrados por nenhum feito, ou ação, ou inação, ou por qualquer acontecimento algum. Definitivamente queremos ser e permanecer indefinidos aqui, nas crisálidas autófagas de nossas inércias pseuconsciente. Lembra-te que aquela porta impalpável que abrirás para teu mundo objetivo e subjetivo, regido pelo Vácuo alheio de tudo que te espera, vai te levar para todos os lugares que pensas escolher, mas que nunca foste tu que escolheste, pois não és, não foste, e nunca serás o autor de tuas escolhas, de tuas ações, de teu arbítrio. Não és autor de porcaria nenhuma. Nem rascunhos tu és. Tu sempre serás um nada de hábitos, de rotinas, de medos e vácuos; sempre tu serás este milenar e perpétuo nada com o complexo de que tu és alguma coisa.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 21/09/2012
Reeditado em 21/09/2012
Código do texto: T3893520
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