'' O VIAJANTE SOLITÁRIO ''

Eu era jovem e era linda.

Ele já estava na meia idade e vendia fitas e rendas coloridas.

Eu estudava na faculdade e estava nos meus vinte e um.

Era solteira e ansiosa para meu '' amor '' encontrar.

Era tímida, um tanto quanto recatada, por fora, que por dentro de mim fervia um cadeirão que dia a dia se derretia.

Ele era casado, falante e bem apessoado.

Vinha de quinze em quinze dias na loja de minha mãe vender aviamentos e eu a primeira vez que o vi soube, eu o queria mas eu sabia que não podia.

E toda vez que ele a loja visitava eu por lá estava, chovesse ou sol fizesse eu ficava na espera, como uma onça pintada eu ficava, na espreita, com um olhar de te quero...me note, por favor.

Ele não me notava, até um dia.

Eu estava só na loja, ele veio e pela minha mãe perguntou, lhe disse para esperar que ela logo chegaria, ele disse que iria tomar um café no bar da esquina e me perguntou se eu queria, disse que sim...

Com leite e adoçante, e foi o que ele fez.

Me entregou, sentou e ficou na espera lendo o jornal, e eu só de soslaio o observava...ele me olhou e foi ai que ele me '' viu ''.

Me viu, ficou roxo, se levantou e pediu para ir ao banheiro.

Escutei barulho de agua e quando abriu a porta vi que tinha molhado todo o rosto, o cabelo, tanto que gotas ainda lhe caiam pelo rosto...sorri e ele me pegando pela mão para um canto me levou, me beijou, me beijou....correspondi, lhe retribui o carinho, gostoso, quente e saliente carinho...e escutei minha mãe chegando, separamos rapidos e rasteiros, ele foi para frente da loja , vendeu o que tinha que vender e se foi...sem mesmo de mim despedir.

Nunca mais o vi.

Na próxima vez veio outro viajante vender fitas e rendas, botões e linhas, era jovem, ali pelos seus vinte e cinco, mas por ele não me interessei mas tambem nada perguntei.

Minha mãe dizia que ele tinha sido transferido para outra região, tinha se mudado com a familia e tudo e eu sofria e não o esquecia...sonhava e quando acordava via a realidade nua e crua.

O tempo passou, e hoje que já sou quase cincoentona recebi uma visita muito especial...ele.

Perguntou se eu dele me lembrava depois destes anos todos.

Olhei bem nos seus lindos olhos azuis e disse que sim

Pegou minha mão e beijou.

Sentamos e colocamos a vida em dia.

Tinha de mim se afastado de propósito, me dizia ele, naqueles dias tinha uma filha quase da minha idade que estava se casando, estava grávida e teria o filho logo e ele queria muito que seu neto nascesse em paz e harmonia, tinha esperado muito para ser avô e não queria jogar tudo fora por um momento de loucura, mas que nunca tinha me esquecido, tinha amado aquele momento de loucura, de desejo e luxuria e demorou muito para aquilo tudo sair de sua cabeça...nunca tinha traido sua espôsa, sua familia, mas sentiu muita vontade disto fazer, me procurar, ter um caso comigo, ser meu amante, mas a moral, o dever e a responsabilidade tinha falado mais alto e me perguntava agora se eu aindo o queria.

Disse que sim.

Tive.

Mas foi como um vaso de cristal quebrado, que cristal quando quebra não tem conserto...de barro ainda tem, mas cristal qual o que!!!

Coitado do meu viajante solitário.

Me contou de suas noites de solidão vendendo aviamentos de cidade em cidade, lindas compradoras, bonitas mesmo, mas igual a mim nenhuma delas, tinha sonhado comigo mesmo acordado e nas noites dormindo em hoteis e moteis era em mim que ele pensava, olhava a lua, qualquer dela lhe servia de inspiração para em mim pensar e sozinho se realizar e eu aqui nesta cidade pequena do interior paulista caipira pirapora sofrendo e sentindo a mesma solidão...que coisa!!! e agora novamente ele se foi, ficou viuvo, ficou só, vive só em uma casa grande, os filhos longe, os netos tambem...que vida!!! cada coisa nesta vida, cada coisa!!!

E tem muita gente que quando conto isto, ou que vem a saber por bocas de outros, diz que foi a coisa certa que ele fez, que eu sou é uma inchirida sirigaita marvada da vida querendo maridos roubar como se fosse eu que tivesse procurado...procurar até que procurei mas daquela vez não encontrei, e agora depois de tantos anos encontrei, e de que adiantou?

Nada. Serviu apenas para estas lembranças escrever.

Ele, quando eu lhe disse que para mim seu apelido era Viajante Solitário, sorriu e disse que era mesmo e que meu apelido era para ele, Lua Solitária, eu lhe pedi....mude....mude para Estrela, estrela tem luz própria e Lua não...concordou. Despediu. Se foi.

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AMELIA BELLA
Enviado por AMELIA BELLA em 27/09/2012
Código do texto: T3904166
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