Interrogando Deus

Dá-me a Tua mão, não simplesmente para que eu não tenha medo, mas que o medo seja eu Te evocando em escuro silêncio. Entao dá-me a Tua mão de vidro puro, para que nela eu veja o rosto que eu também desenhei em mim. Sim, põe Tua mão sobre um peito de homem nu, pois de mim só vejo o que desenhaste na terra dura, mas enfim não há como esconder –Te de mim, não há como sofrer menos porque talvez até Tu saibas quem eu sou. Enfim: perdoa-me por não saber quem tu És. Perdoa-me por não entender como pronunciar esse Nome que és Tu. E porque esqueci meu primeiro nome. Esqueci que eu Te chamava , mas era em silêncio que eu mesmo me tinha diante de Ti. Talvez porque estivesse mesmo como agora implorando por uma mão. E sem contar com ela eu não soubesse ainda o que fazer de Ti. Olhar-Te, suponho. Mas sem o desejo de ver-Te, e também sem o desejo de depois não continuar olhando. Pois o que tens de mim não é o que tive em Ti. Pois o que tenho de Ti eu deveria explicar assim:Tu. Pois enfim sei que Te dás mas não dizes se me será concedida Tua mão. E além disso a pessoa que implora não se atormenta por não tê-La. Tenho medo de que isso também seja verdade porque só estou implorando mansamente. É a Ti que eu imploro:Tu. E pedir demasiado é abster-se de si mesmo para receber em troca o que És. Dá-me então um pouco mais do que em mim é. Não é pedir muito: apenas uma união de imagens – a Tua mão toca mansamente a minha e enfim eu criado só posso esperar o segredo do nome que me dás: homem. Enquanto o teu Nome não sou eu quem o dou mas Tu tens a flama em mim acesa. Cabe ao que foi criado não indagar e não tocar a terra, ainda que esta escorra de suas mãos, pois só Ele sabe desenhar na terra dura o nome secreto das coisas. Se eu implorasse por saber de que é feita minha dor, ah, eu estaria implorando com olhos cegos , pois bem sei que o nunca não se pode enxergar. Mas o nunca não é Ele. O nunca não tem em si o nunca. Minha dor não tem em si a dor. Ele a conhece porque eu aceitei que é assim que Ele me revela. Mas se eu quisesse implorar diria: dá-me a Tua mão. E Ele em silencio responderia: aceita. Então eu teria que aceitá-Lo como se Ele mesmo fosse minha dor. E com isso eu não teria mais como pedir tanto. E veria que minha raiva é por eu não poder existir tanto. Pois o que me foi dado está sendo tomado não somente a cada instante, mas a cada silencio também. Porque Tu – eu te suplico que me dês de hoje em diante um pouco mais de silêncio, sim, estou suplicando que me deixes pegar Tua mão nesse instante, e que eu possa existir um pouco mais de Ti. Embora eu sofra estando assim tão ligado ao Desconhecido, embora eu não perceba que encontrei de novo o que eu era antes de ter aberto a boca e no grito eu falei: Tu me condenaste a viver cada instante. Mas agora não quis mais existir senão em estado de unificação: não simplesmente viver ligado a Ti, mas isto: ser em Ti. Certamente eu descobriria - meu destino? Nao. Eu não precisaria alcançar um lugar onde descansar da minha dor. Eu simplesmente estaria unido à minha primeira imagem sem reflexos de qualquer outro que não fosse Tu. Mas não sei ainda chamar teu Nome. Pois Tu me abandonastes e eu não posso conhecer senão a simplicidade do que És. Mas posso falar e balbuciar o que tenho tanto tanto a dizer-Te: Dá-me, mas não sei mais o que pedir porque sempre queres me dar além do que minha dor pode suportar, e talvez queiras que eu entenda que preciso apenas disso: “aceita”. Sim, Tu me dás e eu enfim aceito este silencio até que eu aprenda como pedir amor. Com voz rouca pedirei e meu pedido será como uma prece austera e rica. E terei que ouvir mais uma vez o porquê de eu ter sido feito. Aliás não seria uma descoberta mas devo lembrar que ainda hoje eu nasci e estou sentado com olhar triste pois, oh Tu, que eu não consigo sentir Teu amparo. Não é que Tu me desamparas mas eu é que não sei viver sem indagar. Minha indagação é severa e inútil. Pois estou indagando se posso conhecer assim tão delicadamente. Na verdade eu estou é pedindo para conhecer-Te um pouco mais delicadamente. Mas enfim não sei se isso é um desejo ou se estou perdido porque trata-se também de conhecer. E conhecer é tão vasto. É como largar a consciência no meio dos escombros da criação. E esperar que paire sobre mim o Sopro vital. Até que onde enfim eu fizesse de conta que enfim Tu me falasses e eu te ouviria não com meus ouvidos abertos mas enfim com esse sangue vivo de vida pura como água. Não, Tu não me olhas agora porque sei que não te respondi corretamente. Eu deveria dizer: dá-me um pouco mais de amor. E Tu então abririas o peito e me queimaria dentro. Mas não seria como um fogo embora minha alma sentisse que estivesse queimando dentro. E ela mesma inteiramente purificada em Ti. E assim se eu soubesse que antes disso foi somente o que aprendi na escuridão da terra, eu daria um novo passo e de novo estaria como óleo no fogo. Como também jamais creria se não visse. Se não tocasse na carne viva. Tu me tocas quando estou em carne viva? Sim, eu sinto. E é como poder sentir não somente amor mas – o Teu amor. Pois já que estás me tocando, afinal não foi para isso que implorei Tua mão? Sim mas não me curas porque ainda que eu pedisse não entenderia senão se me desses afinal a morte. Como antes me oferecestes em banquete e eu comi de Tuas uvas e bebi demasiadamente do Teu vinho ate me embriagar de vida e de morte. Não sabia que Ele tem um Sabor e que eu sentiria frio ao saber disso. Mas não foi uma surpresa porque Ele é também manso como as ovelhas que se deixam guiar. Eu me deixo guiar por Ti? Não, eu não entendo. Só Tu podes compreender que em meu rosto uma lágrima escorre iluminando essa escuridão. Essa estrada vazia de passos. Essa flor nascendo na terra. Com cuidado eu me deito sobre a terra. E vale a pena olhar e ver a imensidão, que é como uma escadaria empoeirada de séculos. E tudo isso eu descobri só de Te olhar. Mesmo tendo ainda um pouco de medo pois – como pode, será que estou falando sozinho? Por que não me interrompes? Me escutas? Tu és a Bondade? Então, mais uma vez, dá-me a Tua mão para que eu enfim pare de Te indagar e aceite com paixão a minha dor. Essa dor que não sei se é de onde infinitamente Te busco. Mas é um modo de ser, isso eu sei. E tenho que aceitar porque, já que me destes será difícil entregar a outrem, a menos que eu esteja disposto a receber em troca o beijo mortal.

Silvano Gregorio
Enviado por Silvano Gregorio em 19/10/2012
Reeditado em 26/09/2022
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