MANUEL

Manuel estava completamente falido. O dinheiro que gastou com Eunice tinha-o levado a um situação sem retorno, pensava…

Já tinha despedido centenas de funcionários, entre fábricas e lojas, e os credores e o estado não lhe davam tréguas. Aquele ciclo positivo que o fez crescer noutros tempos, estava agora a seguir numa rotação inversa. Tudo o que se relacionava com questões profissionais caiam por terra todos os dias e nada previa que pudesse salvar a sua actividade profissional.

Já há vários meses que não pagava os ordenados aos funcionários, como também o aluguer de algumas das suas lojas. A desmotivação era altíssima em todos os sectores. No ar pairava uma energia de desânimo, de revolta e até de vingança, em muitos dos seus empregados. O que havia a fazer? O que lhe restava, para além da falência total? O que havia a fazer num mundo que não tinha significado nenhum para ele, onde tinha perdido não só a sua fortuna, mas a vontade de viver e a dignidade?

Estava farto de tudo, desesperado com a situação a que a sua vida tinha chegado. Na verdade o seu passado e, nomeadamente, aquilo que tinha feito ao Jacinto e a Eunice, tinha-lhe ficado caro. Bem caro!

Sempre ouviu falar da lei do retorno, rindo-se daqueles que falavam disso, mas agora estava a sentir na pele, o quanto ela era infalível.

Já há vários meses que não conseguia dormir convenientemente. Estava a ser acompanhado por um psiquiatra que lhe tinha diagnosticado uma depressão e para a combater tinha-lhe receitado vários fármacos. Durante a noite tinha pesadelos que o deixavam num estado lastimoso. Começou por ver vultos em todo o lado e achar que tudo estava combinado para o destruir e lhe fazerem mal. As pessoas que prejudicou na vida como o empresário de calçado que ele assassinou e os espíritos de várias pessoas que ele levou à ruína estavam agora unidos, por uma irmandade diabólica para se vingarem dele. Davam-lhe todo o tido de pensamentos e acções que o levassem a desistir da vida, através do suicídio.

Manuel ia lutando, como podia, para evitar tal desfecho. No fundo sabia que essa era uma situação de morte que deveria evitar. Nas muitas conversas que teve com alguns médiuns, ao longo da sua vida, a quem recorria, para vários problemas profissionais, sempre foi alertado que o suicídio era sempre de evitar, pois a penalização no outro mundo era dura e prolongada. Essa determinação ocupou-lhe o pensamento durante algum tempo, mas como o mal é matreiro e quando encontra campo fértil num corpo debilitado, trata de encaminhar a pessoa noutro sentido, que é, muitas vezes, na destruição da sua própria vida.

Manuel não foi capaz de combater as forças do mal. Numa manhã de domingo, pelas 9 horas, atirou-se da ponte sobre o Tejo abaixo. Foi a enterrar na terça-feira, no cemitério do Alto S. João, completamente abandonado. A acompanhá-lo apenas três senhoras que pertenciam a uma associação de voluntários que se dedicava a esta última etapa da vida terrena.